Mundo Agrario, vol. 15, nº 30, diciembre 2014. ISSN 1515-5994
Universidad Nacional de La Plata. Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación.
Centro de Historia Argentina y Americana

 

COMUNICACIÓN/COMMUNICATION

 

Associações Comunitárias do Meio Rural: Um Estudo de Caso no Centro Oeste de Minas Gerais

 

Carla Toledo

Universidade Federal de Viçosa
Brasil
Carla_toledo19@yahoo.com.br

Nora Beatriz Presno Amodeo
Universidade Federal de Viçosa
Brasil
npresno@ufv.br

 

Cita sugerida: Toledo, C.; Presno Amodeo, N. B. (2014). Associações Comunitárias do Meio Rural: Um Estudo de Caso no Centro Oeste de Minas Gerais. Mundo Agrario, 15(30). Recuperado a partir de http://www.mundoagrario.unlp.edu.ar/article/view/MAv15n30a12

 

Resumo
O artigo analisa o associativismo rural de um município mineiro no Brasil. Os resultados pertence ma uma pesquisa de mestrado em Extensão Rural sobre organizações associativas e políticas públicas para o meio rural com o objetivo de identificar os papéis desempenhados pelas organizações, as razões de sua formação e a relação com o processo de elaboração das políticas. Trata-se de um estudo de caso, com entrevistas aos representantes das organizações para aprofundar nos seus históricos, nas funções que realizam e como é a participação na elaboração de propostas de desenvolvimento. Os resultados revelaram uma formação verticalizada das associações, formadas como instrumento para obtenção de vantagens coletivas e reproduzindo relações de dependência.

Palavras chaves:Associações comunitárias; Políticas públicas; Relação de dependência; Papéis.

 

Community Associations of Rural Areas: A Case Study in Central West of Minas

 

Abstract
This paper examines the association in a rural mining town in Brazil. The results belong to a master dissertationin Rural Extension on membership organizations and public policies for rural areas aiming to identify the roles performed by membership organizations, the reasons that explained their formation and their relationship with policy making for rural areas in the case studied. It is a case study, for which interviews were conducted with representatives of the organizations in order to deepen into the issues related to their historical, the roles they play and how and whether they participate in development project proposals. The results revealed anup-down process of formation of rural organizations, being created as bargaining tools for achieving collective benefits, reproducing dependency relationships.

Key Words: Community Associations; Public Policies; Dependency Relationship; Roles.


 

1. Introdução

O presente artigo apresenta parte dos resultados de uma pesquisa de mestrado que analisa todas as organizações associativas que nucleiam produtores ou trabalhadores rurais: sindicato de produtores rurais, sindicato de trabalhadores rurais, três cooperativas, dois núcleos de desenvolvimento cooperativista e oito associações comunitárias (só estas últimas serão objeto deste artigo) num município de Minas Gerais, Brasil. Tais organizações surgiram em marcos institucionais diferentes: umas foram constituídas no período em que as políticas públicas promoviam a “modernização do campo” privilegiando as grandes propriedades e estimulando a tecnificação e mecanização das lavouras, com ofertas de crédito; outras, em especial as associações, se constituíram a partir da década de 1980, principalmente após a Constituição Brasileira de 1988, quando se muda a forma de elaborar e implementar políticas públicas no Brasil, promovendo processos descentralizados e democratizantes. Destaca-se que esse processo trouxe a formação de distintas organizações como espaços institucionais de interação social, convocadas a participarem de estratégias e planos para o desenvolvimento rural local.Por este modo, entende-se por organizações grupos que se reúnem a fim de alcançar um objetivo comum.

As políticas públicas, de acordo com Romano (2009), deveriam ser entendidas como ações ou propostas promovidas pelo governo, como forma de regular os distintos problemas e contradições que surgem nas sociedades contemporâneas. Para tanto, o objetivo da pesquisa de dissertação foi identificar os papéis das organizações associativas e sua eventual relação com as políticas públicas para o desenvolvimento rural, ou seja, se discute se estas organizações se organizaram como um lugar de participação para discutirem as propostas políticas para o desenvolvimento rural, ou se organizam como meio de alcançarem acesso a alguma política ou algum benefício, ou, ainda, se as políticas públicas intervêm na realização das funções desempenhadas pelas organizações dadas as mudanças que as políticas públicas vivenciaram ao longo dos anos (de centralizadas com objetivos definidos exclusivamente pelo Estado, para pretensamente mais democráticas, nas que se espera a participação dos cidadãos em sua elaboração e implementação).

Assim, o presente artigo apresenta um recorte desta pesquisa expondo as análises relacionadas às associações, sob a perspectiva de como elas se originaram e qual papel ou funções desempenham; procura-se discernir se as associações conseguem garantir a participação dos seus membros na elaboração de políticas públicas de desenvolvimento rural ou se transformaram simplesmente num instrumento de barganha coletiva. Ressalta-se como antecedente um estudo realizado por Alencar et. al. (1996) que também analisou associações de uma cidade da região sul de Minas, organizadas de modo a proporcionar melhores condições de vida à população, promover segmentos mais pobres do setor rural e inserir as comunidades em projetos de seus interesses. O estudo apoiou-se sob duas perspectivas: participação como instrumento que aumenta a capacidade de negociação e reivindicação dos membros ou como um instrumento que reproduz as relações de dependências, tendo sido corroborada a segunda das opções. Embora tal estudo tivesse uma primeira parte da pesquisa realizada em 1988, chama a atenção que décadas depois, e ainda que se trate de municípios diferentes, os resultados mostrem que o processo de descentralização não necessariamente trouxe maior democracia e maior eficiência nas políticas públicas, e que similares processos continuam se repetindo ao longo dos anos, com organizações sendo criadas de modo instrumental, sem, muitas das vezes, promoverem os verdadeiros valores/princípios associativos, isto é, os associados não compreendem a importância da coletividade e não são tidos como membros efetivamente participativos das soluções de seus problemas.

2. Procedimentos Metodológicos

A pesquisa da dissertação foi caracterizada como estudo de caso, realizada num município situado na região centro-oeste de Minas Gerais. Não será identificado aqui o nome do município como forma de proteger as fontes e a imagem das organizações estudadas. Primeiramente realizou-se uma revisão bibliográfica e documental dos distintos tipos de organizações, da evolução histórica das políticas públicas e das teorias de desenvolvimento rural. A seguir realizaram-se entrevistas com os representantes das organizações associativas rurais presentes no município estudado relevantes para a pesquisa em questão: Sindicato dos Produtores Rurais (SPR), Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR), duas cooperativas do ramo agropecuário, uma do ramo de crédito, oito associações, Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável (CMDRS), Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER), Instituto Mineiro Agropecuário. Também, foram analisados os documentos disponibilizados pelas organizações, como os Estatutos Sociais e as Atas de fundação, para comparar os objetivos e a forma de constituição das mesmas. Como mencionado, se apresentam aqui os resultados correspondentes às associações.

3. Referencial Teórico

Associações

De acordo com o Art. 53 do novo Código Civil Brasileiro “constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos” (Lei10.406, de 10 de Janeiro de 2002). Essa referência aos fins não econômicos modifica a legislação anterior, na qual as associações não tinham “fins de lucro”, mas aprofundaremos nisso mais adiante.

A constituição das associações pode se originar por motivos sociais, filantrópicos, científicos, econômicos e culturais, além do interesse, necessidade e da vontade de um grupo de pessoas que se organizam para desempenharem atividades em comum. Alguns tipos mais comuns de associações, de acordo com Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (s/d) são:

- Associação Filantrópica: Voluntários que se reúnem para ajudarem crianças, idosos e outras pessoas carentes;

- Associação de Pais e Mestres: organização da comunidade escolar para alcance de melhores condições de ensino e integração à comunidade;

-Associação em defesa da vida: em defesa das pessoas em condições marginais na sociedade, ou com dificuldades de superar suas próprias restrições;

-Associações Culturais, Desportivas e Sociais: baseadas ao meio artístico, com objetivos educacionais e de ascensão de temas ligados às artes e questões polêmicas da sociedade (racismo, gênero, violência, entre outros).

-Associações de Consumidores: Organizações direcionadas para o fortalecimento dos consumidores perante aos comerciantes, indústria e governo.

-Associações de Classe: Concebem os interesses de determinada classe profissional e /ou empresarial (associações comerciais).

-Associações de Produtores: compõe as associações de produtores, de proprietários rurais com pequenas propriedades, de artesãos, em função de realizar atividades produtivas e ou em defesa de interesses comuns e representação política.

Sendo assim, a associação tem como fim prestar serviços sem visar lucros distinguindo-se das outras entidades. Turra, Santos e Colturato (2002) afirmam:

As associações são, portanto, entidades constituídas de pessoas, sem fins econômicos, dirigidas por uma diretoria eleita, cujas funções estão subordinadas à vontade coletiva e democrática de seus associados e cristalizadas no seu Estatuto Social, aprovado em Assembléia Geral. Como sociedades civis que são, para existirem legalmente deverão inscrever seus contratos, atos constitutivos, estatuto ou compromisso de seu registro peculiar, observando o que preceitua a Lei n° 6.015, de 31 de dezembro de 1973, em seu artigo 120 e respectivos itens (Turra, Santos e Colturato, 2002, p. 8).

Como mencionado, despertam-se dúvidas sobre a diferenciação pretendida entre a expressão “sem fins econômicos”, e “sem fins lucrativos”. Observa-se também que muitas associações poderiam desempenhar atividades econômicas e mesmo assim não ter fins econômicos. Ou seja, o novo Código Civil Brasileiro não diz nada a respeito das associações realizarem “atividades” econômicas, o que se menciona são os “fins” econômicos. Portanto, as associações poderiam levar adiante atividades econômicas, mesmo sendo sem fins econômicos (sem a correspondente partilha dos resultados obtidos com a atividade), fazendo isso geralmente para obter recursos com os quais se sustentar. No entanto, ainda proliferam as associações que foram criadas com fins econômicos, para ajudarem agricultores familiares na sua inserção dos mercados, sendo por exemplo aceitas ainda até pela Companhia Nacional de Abastecimento para a implementação de seus programas de compra da agricultura familiar. Dependendo do município ou do estado, algumas associações são obrigadas a se transformarem em cooperativas se quiserem continuar realizando atividades com fins econômicos, mas em muitos lugares essa legislação é ignorada. Reconhecemos que se trata de uma situação esdrúxula, mas comum no cenário associativo brasileiro.

Conforme Turra, Santos e Colturato (2002), para uma associação ser viável, ela deve desempenhar alguns papéis, como a representação e defesa dos interesses dos associados, estímulo ao convívio democrático entre os indivíduos, estímulo à melhoria técnica profissional e social, orientação no processo de comercialização, efetivação de operações financeiras e bancárias usuais, escrituração contábil simplificada entre outras atividades.

Em relação à evolução do movimento associativo de produtores, Sperry e Mercoiret (2003) observam que nos anos 60, a política agrícola fundamentou-se em uma abordagem de estruturação do meio rural a fim de que os agricultores controlassem seus próprios negócios. O modelo proposto (ou imposto) se orientou pelos princípios universais do cooperativismo, sendo preferida a forma associativa no caso de “pequenos” produtores, pela maior simplicidade de gestão. A partir dos anos 1970 houve uma propagação dos agrupamentos de produtores rurais com a perspectiva do desenvolvimento integrado e um enraizamento local, participativo ou de colaboração, reunindo atividades, funções ou determinadas categorias. Mas, foi somente depois dos anos 1980 que emergiram organizações de iniciativas próprias e locais, independentes em relação ao Estado e ligadas ao movimento associativo.

Como expõe Pinheiroapud Araújo (2005), a partir da década de 1980 houve um processo de reavaliação do trabalho junto à “pequena produção” devido à contestação de que o modelo de extensão fundamentado no uso exagerado de insumos e defensivos industriais da década de 1970 não atendia totalmente aos produtores de menor porte. Além disso, acrescenta que a escassez de recursos advindas das reformulações da política de crédito agrícola nos anos 1980 ocasionou transformações que fizeram o sistema oficial de extensão procurar novos meios para a continuidade de suas atividades por meio do trabalho social e pela organização comunitária. Desse modo, os técnicos de extensão rural foram (e ainda são) um dos principais agentes envolvidos na constituição de associações nesta tentativa de buscar soluções para a escala de produção das propriedades, possuindo um aspecto mais humanista ou cívico, ao promover reuniões e atividades que motivem a participação dos agricultores sem se limitar apenas à parte técnica.

Neste sentido, a contribuição de Ruas et. al. (2006) é ilustrativa ao retratar as mudanças no papel do extensionista. O serviço de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER¹) sofreu alterações durante sua trajetória de desenvolvimento. Essas modificações que vieram ao longo do tempo sofreram influências dos quatro períodos dos modelos de desenvolvimento rural. Primeiramente, do tradicional para o moderno (no período de 1948-1963) e logo após 1964 (até 1979)é substituído por outro modelo direcionado para a modernização do campo, caracterizado pelo difusionismo. Já o terceiro período correspondeu à profissionalização do campo ocorrida entre 1980 a 1989. Por fim, em 1990 a 2005, tem se o quarto período marcado pela urbanização do espaço rural e as metodologias participativas, caracterizado pela aproximação da sociedade civil com o poder público.

Mesmo reconhecendo a persistência da dificuldade em operacionalizar o serviço de assistência técnica e extensão rural, a área de conhecimento da Extensão Rural encontra-se em tempos de mudanças, perpetuando a necessidade de uma reorientação de seus pressupostos visando o desenvolvimento local, que leve em consideração o diálogo com o produtor rural, na intenção de construírem e solucionarem juntos seus verdadeiros problemas. Segundo Muniz (1999), cabe considerar para essa redefinição a localidade como forma de “construção de sistemas de conhecimento interativos” em que as demandas da coletividade estejam envolvidas na construção das ações da Extensão Rural para a propriedade. A participação é então fundamentada pela construção de redes em que diversos grupos possam atuar na organização e estruturação de uma determinada localidade.

É nesta conjuntura que o papel do extensionista foi redefinido para que essa mudança ocorresse, de modo a aumentar seu papel de intermediário entre pesquisadores e produtores rurais, passando a participar de forma ativa e comprometida com a transformação social, promovendo a união dos atores rurais em prol da solução de suas problemáticas específicas, através de organizações rurais, em especial, associações e cooperativas. Entretanto, muitos produtores ou trabalhadores rurais aceitam a proposta associativa mais em reconhecimento da credibilidade desses mediadores, do que pela compreensão do verdadeiro significado desta forma organizacional. De fato, o desafio é levar os agricultores a compreender que eles mesmos devem controlar suas organizações, gerindo-as e promovendo as atividades, bem como orientá-los de que para participar de uma organização coletiva é preciso que os membros abram mão do individualismo em prol do interesse do coletivo (Araujo, 2005).

Araujo (2005) também destaca a dependência que os membros das associações estabelecem com os extensionistas, ao estarem permanentemente esperando deles informações, orientações de como e o que fazer, ou de como conseguir algum benefício vindo de fora da comunidade, numa relação de dependência ou subordinação, sem se preocuparem em discutir e criar suas próprias alternativas, buscando outros canais para melhorar a inserção da organização na sociedade, promovendo projetos coletivos. Desse modo, muitos associados continuam sem saber com clareza o que é o associativismo e qual o papel da associação à qual pertence.

Vale ressaltar a importância que a Constituição de 1988 representou para as associações civis. Momento em que muda a forma de elaborar e implementar as políticas públicas no Brasil, propiciando o surgimento de distintas organizações, como associações, cooperativas e sindicatos na forma de espaços institucionais de interação social, permitindo a sociedade civil participar juntamente com o Estado na formulação e implementação das políticas, com a premissa de que a inserção dos beneficiários destas políticas seria fator positivo na boa aplicação dos recursos públicos.

Segundo Ganança (2006) a Constituição trouxe novas atribuições dentro do sistema político brasileiro, enfatizando seu papel protagonista no exercício do controle social e na influência da formulação das políticas sociais nos diferentes níveis da Federação. Além disso, o Estado brasileiro passou a reconhecer institucionalmente a plena liberdade associativa, o qual possibilitou que as associações ocupassem outros lugares institucionais na cena democrática nacional. Entretanto, nos anos 1990 esse papel foi renovado com um novo discurso: “não mais da benevolência, da caridade e da filantropia, mas sim da eficiência, profissionalização, voluntariado, ineficiência do Estado e co-responsabilização da sociedade civil” (Ganança, 2006, p.30).

Machado (1987) apresenta o ponto de vista do interesse do Estado e do interesse dos produtores em constituir associações. Para ele, na perspectiva do Estado, as associações como entidades jurídicas refletem a necessidade de construir um meio de intermediação com seu público e um instrumento de controle, proporcionando os objetivos de interferência governamental na área. Enquanto, no ponto de vista dos interesses dos produtores, a associação se apresenta como ferramenta para alcançar benefícios, seja: equipamentos comunitários, serviços e infraestrutura produtiva que admita resistir como grupo social.

Desse modo, ao criar a associação, Galletta (2011) afirma que a maior dificuldade é despertar nas pessoas a doutrina associativista, a prática da gestão democrática e o dinamismo, de forma que os associados saibam aproveitar as oportunidades, estejam motivados a participarem da organização, renovem constantemente suas lideranças, busquem autonomia, mantenham uma comunicação intensa com possíveis aliados e parceiros para projetos inovadores, e enfim se envolvam com os dirigentes na determinação dos rumos da organização. Pois, o associativismo é uma forma viável de se alcançar objetivos coletivos por parte dos produtores/trabalhadores rurais, uma vez que estes enfrentam dificuldades de inserções no presente contexto de desenvolvimento da agricultura brasileira. Assim, por meio dos grupos organizados se podem propor, discutir e reivindicar ações direcionadas ao poder público.

Antes de apresentar os resultados do município estudado, é essencial uma breve abordagem dos resultados discutidos na obra de Alencar et. Al. (1996), uma vez que mostram semelhanças em diversos aspectos com este trabalho e contribui para compreensão de que processos parecidos continuam se repetindo. Tal obra tinha como objetivo verificar em que medida as associações cumpriam suas funções (discutir problemas, buscar soluções e ser um elo entre sócios e a administração pública), bem como se conseguiam promover a participação dos sócios ou se simplesmente eram organizadas como instrumento de controle ou cooptação no nível da política local. Neste sentido, os dados analisados revelaram que a maioria das associações foram idealizadas e organizadas por políticos locais ou por pessoas a eles relacionados. O envolvimento destes políticos na organização dessas associações representava uma estratégia que visava a ampliação de suas bases eleitorais dado que a criação de associações comunitárias era necessária para ter acesso aos recursos disponibilizados pelo governo e que a população necessitava.

A forma como a maioria destas associações se constituíram revelaram traços de patronagem, as pessoas não sabiam lidar com os problemas e acabavam realizando uma troca de favores, de um lado conseguiam a solução e do outro oferecia a lealdade política. Alguns presidentes das associações acreditavam que as associações juntamente com os políticos locais ou pessoas a eles ligadas era importante para conseguirem determinados benefícios (obras de infraestrutura, creches, escolas, etc.). No entanto, com o passar dos anos, houve um desestímulo pelas associações, já que embora permaneçam os mesmos políticos locais, já não contavam mais com os programas e recursos que as associações precisavam (Alencar et. al., 1996). O estudo também destaca que a baixa participação dos sócios na vida da associação não ajudou a desenvolver a capacidade de negociarem e reivindicarem, pelo contrário, reproduziram relações de dependências, patronagem e clientelismo. Sendo assim, apresenta-se claramente que criar programas para facilitar acesso das comunidades a recursos que necessitam pode ser alvo de manipulação de lideranças políticas como forma de se promoverem e manterem no comando, sem conseguir os objetivos de autonomia e fortalecimento social, inicialmente buscado pelas políticas.

4. Resultado e Discussão
O associativismo rural no munícipio estudado

O município estudado na região centro-oeste de Minas Gerias, Brasil, possui oito associações rurais registradas com CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas - onde todas as pessoas jurídicas são obrigadas a se inscrever antes de iniciar as suas atividades), conforme informa o Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável. Existem outras associações: uma em processo de constituição que ainda não possui o registro e outras relacionadas com questões não rurais, e que não foram consideradas neste trabalho, portanto, optou-se por entrevistar os representantes das oito associações rurais com CNPJ. Estas associações possuem em torno de 20 a 35 associados cada uma.

As associações estudadas se originaram a partir da década de 1990. Conforme as declarações dos representantes, observa-se que as associações rurais do município, de modo geral, surgiram com a finalidade de unir as pessoas no meio rural que se encontravam isoladas umas das outras e sem incentivos para realizarem suas atividades, bem como para buscarem informações, cursos profissionalizantes e alternativas de produção e comercialização a fim de progredirem e enfrentarem as dificuldades vivenciadas por eles, o que reforça a conceituação abordada por Turra, Santos e Coulturato (2002). Reiteradamente os representantes afirmaram que a intenção de formar associações foi para alcançarem benefícios em conjunto, já que individualmente seria mais difícil conseguirem.

Evidentemente qualquer região ou área rural deste município pelo Brasil a fora o mundo inteiro, o agricultor, o pequeno agricultor enfrenta dificuldades imensas de apoio indispensável para a sua evolução no meio, sabe, rural e não há a menor dúvida que a criação dessa associação teve um fundamento principal de unificar, de unir as pessoas em torno da entidade em busca assim de soluções junto a autoridades de modo geral, Municipal, Estadual, Federal e também procurando obter assim um, um, cursos, muitos deles realizados pela EMATER [...] procurando encontrar formas de amenizar as dificuldades que a gente sempre encontra pela frente, falta de transporte. Muitas ocasiões tivemos falta de energia elétrica, interrupções e problemas do transporte escolar. Então a associação tem uma série de funções, atividades a serem cumpridas para com, no nosso caso a nossa comunidade em particular né (Representante I).

Os acessos se você fazer a união, os acessos sai mais fácil, aí [...] muitas coisas transforma mais fácil para gente, chega mais fácil, pra gente adquirir as coisas, porque sem a associação aí aperta mais, dá mais trabalho pra gente correr atrás das coisas [...] igual nós ganha adubo, semente, se não fosse pela associação nós não ganhava nada disso, as mudas mesmo de frutas, várias coisas, semente de horta mesmo, a gente ganhou bastante, tem muita coisa que vem pra gente através da associação (Representante J).

Observa-se que um dos mais importantes estímulos para a formação dessas associações está na captação de recursos/benefícios pelas organizações coletivas. O próximo depoimento revela que uma das principais reclamações das comunidades é conseguir um trator para arar as terras para o plantio, dado que se trata de estabelecimentos cujo tamanho não permite a compra de um, como também para conseguir máquinas para manutenção da caminharia rural, o que por sinal deveria ser considerado um direito da população rural e não um favor do poder público.

[...] quando chega o plantio não tem nenhuma máquina, nem pagando ela nãovem, porque ela está trabalhando pros “grandes” e não pode parar lá. Vê se a gente conseguia do Estado uma máquina uma coisa assim, mas até hoje não conseguimos, a não ser essa ajuda da prefeitura só para arar e fazer silo já tão ajudando, tem o trator, a siladeira [...] então a gente fala sempre que a prioridade nossa era um trator, mas será que nós, questionamos isso lá, será que nós damos conta de administrar esse trator, pra ele não dar prejuízo, porque aí chegar um ponto dele quebrar e ninguém quiser ajudar [...] então manter as coisas é mais difícil que adquirir [...] (Representante K).

Embora, verifica-se que o trator é muito importante para os associados e que sua aquisição por meio da organização é almejada pelo fato de possuir um custo alto difícil de arcar para um agricultor individualmente, o trator também é um dos motivos de maior discussão e que mais gera conflitos dentro dos grupos. Para compreender tal discussão, um dos representantes expressou:

O problema do trator é que vai um trator para a associação eles querem que o trator fique a disposição de um, quer dizer, é meu. Então eu vou usar à minha vontade, e os outros? Mas um trator para uma associação com dez associados, com vinte associados fica difícil, porque o trator você usa todo no mesmo tempo, na mesma época. Eu preciso do trator, quer dizer em um mês ele tem que valer para vinte associados, não dá. Que às vezes leva três, quatro dias para fazer o serviço de um associado e de outro. E o problema é sustentar o trator, o trator e tratorista, que o trator requer mão de obra, para sustentar ele óleo diesel, mecânica, e tudo se quebrar uma peça tem que trocar, então requer essa manutenção, e eles não entendem que tem que ter um fluxo de caixa para consertar isso aí, ele não quer. Quer o trator de graça, fica difícil, fica difícil (Representante L).

Quando agricultores se estruturam em torno de uma associação, às vezes, eles não se conhecem bem, não sabem as respectivas posições sobre muitas questões, nem o que seus colegas pretendem, e isto acaba levando a inseguranças ao adotar determinadas decisões em conjunto. De acordo com Sperry e Mercoiret (2003), os agricultores enfrentam conflitos quando não sabem administrar alguma coisa de uso coletivo, por exemplo, o trator.

O mau do produtor é que ele não se reúne, não se, assim, não se [...], não sabe o que é ser um associado, ele pensa que a associação existe em função dele só, ele exclusivo, não o grupo, individualmente. Então é preciso fazer um trabalho sobre isso, em cada associação para poder entender o que é uma associação, como ela funciona, por que que ela funciona (Representante L).

Todas as associações tiveram forte incentivo e apoio de técnicos locais da EMATER para sua fundação, embora também tenha havido, em algumas associações, influência de líderes comunitários ou até mesmo de candidatos em campanhas políticas, neste último caso apenas um representante expressou tal situação.

[...] na época ele (o candidato) estava fazendo campanha política aí, andou conversando com a gente aí, aí ele disse que já tinha ajudado a fundar algumas associações, e tal. Aí motivou nós a fazer uma reunião, conversar, aí trouxe o (técnico) aí também, que era da EMATER, aí enfim, nos resolvemos fundar ela, a associação (Representante M).

Esta influência política na formação de associação é considerada por alguns representantes como uma simples estratégia para ganharem votos. Os entrevistados manifestaram que se constituem as associações, declaram que irão ajudar a conseguir diversos benefícios, para depois das eleições, simplesmente esquecerem boa parte do que foi prometido. O depoimento a seguir ressalta:

[...] então essa forma de criar associação, várias, principalmente ano político, aqui, por exemplo, há três anos atrás foram criadas várias associações, e o único objetivo, a única fala foi que através das associações conseguiriam verbas, que através da associação conseguiriam ganhar sementes, adubos e eu acho que não é esse o objetivo duma associação, não é ganhar as coisas, não é ficar parado esperando, né? Mas sim, fortalecer através da associação [...] (Representante A).

Percebe-se que a compreensão do significado destas organizações foi desvirtuada por essa prática de fomentar a criação de associações, prometendo benefícios via políticas públicas. Assim, se identifica nas associações o mecanismo social necessário para receber alguma ajuda que de outra forma não se conseguiria. A associação não é enxergada como o lugar do trabalho associativo, da cooperação, mas como o lugar da barganha coletiva, da obtenção de vantagens.

Isso é reforçado por outros depoimentos que relatam que por não alcançarem o que desejavam numa organização, começam a criar outra para suprir aquela e, assim, muitas ficam abandonadas sem estrutura para fazerem uma boa gestão e melhorarem às condições no meio rural. “[...] o pessoal aqui é meio queimado com as coisas, o trem não deu certo, ele fala [...] Às vezes uma coisa não agrada ele. Ah vamos formar uma para nós [...] não segue nada [...]” (Representante K).

No entanto, a influência maior para a constituição destas organizações associativas foi o apoio de técnicos da EMATER, que vêm realizando um trabalho permanente com as associações do meio rural do município. Todavia, coerente com o que afirmou Araujo (2005), é preocupante a relação de dependência que os membros criam com o extensionista, pois embora este técnico entre no universo dos produtores/trabalhadores rurais tentando realizar uma troca de saberes, para contribuir para uma melhor qualidade de vida destes, a longo prazo foi se configurando uma relação de dependência, que os torna sujeitos (individuais ou coletivos) passivos, sempre esperando que outros façam por eles ou lhes mostrem o quê e como deve ser feito.

O autor também questiona a capacidade dos extensionistas, em geral, de intervirem na realidade das associações, diante das distintas funções que precisam realizar e sem possuir uma capacitação específica para realizarem tais funções. Assim, levanta uma dúvida: até que ponto os profissionais de assistência técnica e extensão rural e a militância dos movimentos da sociedade civil podem contribuir para o processo de organização e à construção da autonomia comunitária?

O relato a seguir de um dos representantes expõe esta preocupação com o técnico da extensão rural no caso do município, devido a que reduziram o número de técnicos, contando atualmente com apenas um que atua em toda a região; fica claro nas palavras do representante que se espera que o técnico faça tudo, não tomando os associados para sim o protagonismo pelas ações da associação.

[...] é preciso auxiliar o técnico da EMATER, ele precisa de mais, um auxílio muito forte pra ele pra poder a gente conseguir as coisas mais rápido possível, num é isso, então preciso que tenha, não sei, um auxílio mais técnico, mais alguém para ajudar ele, ele é sozinho, e sozinho não consegue fazer tudo (Representante L).

Apesar de reconhecer alguns limites na capacitação e saberes dos técnicos atuais para superar os níveis de dependência percebidos nas organizações coletivas dos produtores ou trabalhadores rurais, destaca-se que estes mediadores que atuam junto aos agricultores desempenham um papel fundamental na difusão da proposta associativa. E estas associações criadas cumprem um papel essencial não somente relacionado às demandas de produção e comercialização, mas também para o surgimento de novas formas de relacionamento social, construção de identidades, constituição de novas lideranças políticas e exposição de novos problemas nas reivindicações dos agricultores (Pinheiro, 1999 apud Araujo, 2005). Isso é compreendido também no caso do município estudado, segundo o que salientou o representante N: “(...) eu acho que foi até uma coisa boa, porque a gente reúne assim, uma vez por mês, cada vez na casa de um, então é aquela alegria, conversa, põe os assuntos em dia”.

Essas organizações estabelecem seus objetivos em estatutos sociais. Das que disponibilizaram estes documentos, verificou-se que algumas utilizaram praticamente um único modelo, constando os mesmos objetivos em todas elas: promoção do desenvolvimento comunitário; melhoria do convívio entre os moradores locais; proporcionar aos associados e seus dependentes atividades econômicas, culturais e desportivas; atividades assistenciais; cuidados com a família; combate à fome e à pobreza (geração de emprego); promoção de cursos profissionalizantes; habilidade ou reabilitação de pessoas com deficiências; incentivo à cultura e esporte; e proteção ao meio ambiente.

O conselho comunitário de uma determinada comunidade rural do município, que tem também a forma organizacional de associação, determina apenas alguns destes objetivos mencionados acima: o combate à fome e à pobreza, integração dos membros no mercado de trabalho, divulgação da cultura e esporte e proteção ao meio ambiente e saneamento básico.

Já uma outra associação apresenta os seguintes objetivos: “buscar aumentar a produção e produtividade da agropecuária; criar pequenas indústrias caseiras; assistir as crianças, gestantes e idosos (programa de saúde); incentivar o artesanato local por meio de cursos profissionalizantes; dentre outros”. O estatuto da associação dos produtores que possuem uma feira é o que mais se diferencia. Seus objetivos estão relacionados ao estímulo da produção e comércio de flores, plantas ornamentais, frutas, legumes, verduras, aves vivas, ovos, mel, produtos da lavoura e seus subprodutos, carnes, peixes, leite e seus derivados, alimentos de indústria caseira, vestuário e artesanato de confecção caseira; transporte, beneficiamento, industrialização e comercialização dos produtos dos associados; defesa dos associados; representação dos interesses perante os poderes públicos e privados; dentre uma série de objetivos visando o bem estar do sócio, a qualidade dos produtos e a comercialização dos mesmos. Este é um caso claro de associação com fins econômicos, embora pela legislação atual não devesse ter essa finalidade. Embora impressione a grande quantidade de objetivos diferentes e o leque de atividades diversas que isso possa significar, na realidade, esses objetivos nem sempre são seguidos como estão descritos e a situação das associações apresenta variações em sua prática. Dos oito representantes de associações entrevistados, dois informaram que sua associação estava “meio parada”: uma devido à falta de reuniões e desinteresse dos membros pela associação, e a outra devido à “desunião das pessoas” e a “má gestão de presidentes anteriores”, a quem se responsabiliza por não terem conseguido alcançar o que lhes interessavam. As razões e constituições das associações também são distintas. Naquela onde se manifestou que há desinteresse dos membros, ela foi constituída por pessoas da mesma família e por alguns outros poucos integrantes da comunidade na perspectiva de conseguirem máquinas para melhorarem a condição das estradas e tratores para aração, assim, o objetivo foi conseguir benefícios da prefeitura, que ao não serem atendidos como esperavam, provocou o desinteresse pela organização. Nesse papel mediador a organização é percebida como um dispositivo burocrático que daria direitos a um atendimento especial por parte do poder público, que quando não alcançado, desestimularia a ação coletiva, a qual em realidade nunca existiu para além da formalização da organização. As associações seriam assim, na prática, só CNPJs e não instrumentos de ação coletiva, um meio de organização social para atender as necessidades em comum de um determinado grupo.

Para Olson (1999) todos na associação deveriam ter a mesma forma de tratamento, se um resultado é alcançado, todos membros têm direito aos benefícios trazidos. Assim, em sua linha de raciocínio, para se ter a ação coletiva é preciso primeiramente unir os interesses comuns das pessoas, e em seguida é necessário que elas reconheçam ter estes interesses comuns para planejarem uma atuação coordenada de modo a alcançá-los. Para tanto, quando os grupos tomam ou não consciência do interesse comum, mas os custos da ação são superiores aos benefícios, a ação coletiva se torna possivelmente nula.

As declarações dos outros representantes de associações que manifestaram estar mais atuantes indicaram que as atividades mais desempenhadas pelas mesmas, de um modo geral, estão vinculadas a fornecer informações por meio das reuniões e realizar cursos profissionalizantes e palestras informativas. O ato de se reunir cria um espaço para troca de ideias e experiências, bem como contribui para uma melhor convivência e socialização na comunidade. Cria-se assim um espaço onde iniciativas são discutidas e promovidas pelo coletivo.

Chama-se assim a atenção para duas associações que vêm ganhando destaque e admiração na comunidade pelo desempenho na obtenção de seus objetivos. Uma delas com a aquisição de uma fábrica de processamento de coco macaúba, através de um projeto apresentado ao Ministério de Luz Energia, o que proporcionou dinamização da produção, o escoamento do produto e geração de renda. Embora, neste caso, o poder público tenha viabilizado os meios para estabelecer essa unidade de processamento, trata-se de um projeto que foi desenhado pelos produtores de forma pró-ativa e que foi conseguido em concorrência com outras iniciativas de outras localidades. A organização encara agora algumas dificuldades ligadas às incertezas com relação à expectativa de produção dos plantios, à liberalização da licença ambiental para os produtores colherem os cocos conforme as normas ambientais, e a melhores condições para atender este novo mercado.

A associação coordena o esforço dos produtores para solucionarem conjuntamente os desafios que significa fazer funcionar este empreendimento coletivo. Neste empenho tem que articular seu acionar com diferentes instâncias de poder público, mas sem delegar nesse poder público a iniciativa e a gestão pelo empreendimento associativo. Não vamos discutir o fato de, como visto anteriormente, não ser uma associação o marco legal mais adequado para gerir um empreendimento econômico. A realidade brasileira mostra inúmeros exemplos de associações levando adiante ainda atividades econômicas, embora o Código Civil o impeça. Pareceria que o poder público reconhece que se trata de um tipo organizacional facilmente gerido pela população e acaba admitindo uma realidade que do ponto de vista jurídico e fiscal não seria adequada. A insegurança legal e futuras complicações na gestão podem ser vislumbradas em situações como as descritas.

A outra associação em destaque é a que apresenta seus objetivos distintos das demais, trata-se de uma das associações mais antigas em funcionamento no município, constituída em 1994 com incentivos da EMATER local e apoio da Prefeitura, é responsável pela feira local. O espaço onde ocorre a feira foi um terreno doado pela Prefeitura e recentemente receberam ajuda de um político para que o espaço fosse coberto e assim melhorassem a infraestrutura da sede. Esta associação apesar de ter partido da iniciativa de técnicos extensionistas, sendo organizada “de cima para abaixo”, e de ter recebido benesses de políticos, funciona fazendo da ação coletiva sua força, ou seja, unindo-se em prol de um objetivo desejado por todos e assim atendendo aos interesses particulares, de modo a melhorar sua qualidade de vida. Como se expressa no depoimento:

Ela (associação), homenageou os produtores, porque o produtor ficava sem recurso de vender, e hoje eles tem aonde ... vende. Produz e vende [...] Cada um tem sua função, quase todos têm uma, um produz a carne, outro produz o leite, outro produz verdura, outro vai mais na parte da verdura e aí segue [...] Nossa feira ela começou com pouquinha gente, era na média de 13 integrantes, os associados, e hoje nós estamos com 56 banca funcionando, então cresceu muito, melhorou muito, e era no tempo e hoje ela é na área coberta, de piso e área fechada, estacionamento, tudo [...] tudo direitinho (Representante O).

Nesse sentido, observa-se que a associação se mantém eficiente na execução de seus objetivos e os membros são motivados a segui-la. Dessa forma, de modo geral, é necessário que o objetivo da organização seja relevante para os sócios, bem como a organização deve-se mostrar eficiente em sua consecução. Assim como Turra, Santos e Colturato (2002) expressam, a associação deve defender os interesses dos associados e estimular a convivência de forma democrática entre os membros para a efetivação de suas atividades.

Outro aspecto que ressalva nesta associação mencionada é que nem todos os membros residem na zona rural, nem necessariamente são produtores rurais, alguns apenas possuem uma horta feita às vezes no próprio quintal de sua casa no meio urbano, mas se consideram legítimos produtores ao realizar suas funções e conseguir por meio da associação o lugar para vender seus produtos e formas de agregar valor a sua mercadoria. Desse modo, o representante entrevistado ressaltou que houve um aumento da participação nas reuniões, pois eles querem saber o que devem fazer para sempre poderem melhorar seja sua produção ou a própria associação.

Por outra parte, também entrevistados de outras associações manifestaram se preocupar com a pouca participação dos associados nas reuniões e nas discussões, o que dificultaria a tomada de decisões relacionadas ao grupo e o alcance da autonomia, uma vez que se centralizam as ações na diretoria. O representante I salientou que antigamente “[...] havia um animo maior em tudo, agora com as implicações que a vida, cada vez oferece a mais ao cidadão ou cidadã, é, parece que a disponibilidade de tempo para curtir certos eventos elas vão sendo reduzidas [...]” assim justificam a não participação nas reuniões. É interessante notar que na fala do entrevistado, a associação é vista como âmbito de lazer ou desfrute, já que os associados não teriam “tempo para curtir” dos eventos.

Outro problema abordado por parte dos representantes foi referente a quem assumiria os cargos de direção. Uma vez constituídas as associações é difícil encontrar alguém que se ofereça para dirigi-las. As razões alegadas são não haver remuneração para essa tarefa e que eles não possuiriam tempo suficiente para cumprirem as obrigações demandadas pelo cargo.

[...] fez a associação, mas ninguém na época queria ser presidente da associação porque [...] não ganhava nada. Aí um pegava e largava, aí outro pegava e largava, aí até que nós encontrou o presidente lá [...] e ele ficou, ficou um ano, nós achou bom, pois ele mais um ano, aí dentro de dois anos não podia mais ele ficar direto, aí eu peguei o cargo, no lugar dele [...] O povo aqui não tá querendo pegar muito cargo assim nada, o povo aqui já não ganha nada, casca fora (Risos). O povo pergunta lá assim, quanto você está ganhando? [...] Hoje em dia quando você fala que não está ganhando, ninguém quer fazer nada pra ninguém mais [...] (Representante J).

Neste sentido, as associações entrevistadas apresentaram diversas barreiras que por sua vez, acabaram comprometendo a eficiência de suas funções. No entanto, como expressa o representante J “o sonho nosso é melhorar mais associação, crescer mais [...]”. Os entrevistados manifestaram esperança de por meio das associações também desenvolverem alternativas que possibilitem manter os jovens no meio rural e juntos melhorarem a vida neste local. Assim, as associações no imaginário dos produtores são depositárias da solução dos seus problemas, alguns muito além das possibilidades de qualquer associação, conforme mostra os relatos a seguir.

[...] está difícil é, está pouco, está muito pouco o lucro de roça, está trabalhando mais é no vermelho, porque você tinha que ter um lucro bom para chamar mais gente para lá, e o você dá conta de melhorar, agora uma cerca cai você não está tendo dinheiro para arrumar, um curral, a reposição do gado fica difícil, e outra coisa, você vende hoje está 85 a arroba de vaca ou de boi gordo, você vai comprar as pequenas é a 100, 120 então como você vai esperar um lucro duma coisa que você vende a 85 e compra a 100, fica esquisito não é?Então, por aí você vê que o lucro está muito pequeno, que antigamente era dois por uma, hoje está dando um e pouquinho um virgula não sei o que [...] Então (a associação) surgiu por isso, querendo ajudar, porque eu já estou no fim de carreira, quase todos estão, sou aposentado [...] quase todos são aposentados [...] mas a gente, então estamos com eles pra vê se juntando tudo melhora um pouco (Representante K).

[...] embora que está meio capenga, a união do pessoal falha muito, mas mesmo assim ainda vale apena, porque ali que se descobre, a pessoa está fazendo um trem diferente e está dando certo do você mudar, porque se você não for lá você continua, fazendo, jogando dinheiro fora, você fala assim, não o (técnico) mandou eu por tanto saco de adubo, um milho ou um sorgo, mas eu vou por só a metade, mas então, depois ele não vai dar nada aqui para gente, não adianta, você não pois, mas você também não colhe [...] (Representante K).

Evidenciou-se também no município estudado que as associações desenvolveram um papel importante para os produtores/ trabalhadores rurais a partir do período de transição que marcou a democratização da vida pública, proporcionando um espaço de participação e de acesso a políticas públicas. Também, pode se afirmar que as associações estudadas apresentam um papel simbólico essencial para seus associados, na expectativa de juntos alcançarem seus interesses. Porém, ainda se verifica uma forte dependência das associações a respeito dos técnicos extensionistas, assim como pode se afirmar que, no entendimento dos entrevistados, muitos membros não descobriram o verdadeiro significado de fazer parte de uma organização coletiva. Isso de fato dificulta às associações ganharem autonomia e desenvolverem melhor o seu papel. As associações ficariam assim num espaço de ação intermediário de embate entre o imaginário dos associados e o papel que para elas reservam as políticas públicas, ora ficando a mercê de entendimentos que as identificam como dispositivos burocráticos de mediação política, ora viabilizando a ação coletiva para consecução dos seus objetivos comuns.

Um ponto interessante é que todas as associações participam do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável. Este conselho funciona há mais de três anos supostamente como um órgão gestor de políticas públicas para o desenvolvimento rural, onde a sociedade civil e os poderes públicos discutem, elaboram e gerenciam as políticas. Como Silva e Morruzi Marques (2009) salientaram, a importância do Conselho é representar os agricultores familiares e criar um ambiente democrático onde estratégias e políticas de desenvolvimento sejam elaboradas. A vitalidade desses Conselhos se baseia na existência e intervenção ativa de movimentos, associações, cooperativas e/ou sindicatos de trabalhadores rurais. No caso estudado, a participação maior é das associações, não havendo envolvimento das cooperativas nem dos sindicatos. Ainda mais, as associações têm um papel passivo nas atividades do Conselho, no qual a agenda, informações e decisões estão concentradas nos representantes das instituições públicas. Entretanto, a incidência de políticas públicas destinadas ao meio rural é muito baixa, tendo destaque as políticas públicas relacionadas à “ajuda” da prefeitura e da EMATER, como distribuição de mudas, sementes, tratores, etc.. O Conselho seria portanto o espaço onde os representantes das associações são informados sobre as atividades que a EMATER está organizando, o sobre quais ações a Prefeitura pretende levar adiante nas diferentes regiões do município. Não sendo, portanto, nem um espaço deliberativo, nem um Conselho consultivo.

5. Considerações Finais

De acordo com a lógica da nova institucionalidade brasileira, na qual as organizações se multiplicariam como espaços de participação para promoverem propostas de desenvolvimento, pesquisou-se no município a formação de diversas associações. Elas se originaram a partir de intenções diversas: como propostas política de candidatos, promovida pelos técnicos de EMATER em consonância com o imperativo da empresa de promover processos organizativos no marco da política de ATER, bem como pelo próprio interesse de agricultores em trabalhar conjuntamente para obter algum objetivo, ou, não menos importante, pelo interesse de agricultores de conseguirem algum tipo de benefício por meio da associação.

O associativismo possui um marco conceitual ancorado em princípios socialmente valorizados de solidariedade, ajuda mútua, esforço coletivo que é atrativo como discurso e suficientemente motivador como para mobilizar as pessoas; no entanto, não deve ser confundida a potencialidade destas formas organizacionais com o real exercício destes princípios e o alcance da autogestão vinculados a esse ideário. Foi evidente em algumas falas dos entrevistados a identificação das associações como dispositivos burocráticos de mediação política, como se formar parte de um grupo controlador de um CNPJ pudesse dar direitos exclusivos não alcançáveis de forma individual.

A pesar do tempo transcorrido e da mudança de paradigma das políticas públicas, a pesquisa chega a resultados similares aos apresentados por Alencar et al (1996) na pesquisa mencionada inicialmente. Muitas associações são induzidas a se formarem por agentes externos (mediadores ou políticos) prometendo que assim poderia se alcançar um determinado benefício ou recursos do poder público; isso coloca aos membros numa atitude de receptores passivos, ocasionando uma alienação e baixa participação de seus membros na vida da sua organização. Mais ainda, ficou evidente também a relação de dependência com o extensionista da EMATER; embora o atual ocupante do cargo manifeste que vem buscando reverter essa situação de dependência, verificou-se nos depoimentos dos representantes que o modo como as associações foram criadas “de cima para baixo” e de forma tutelada, criou um sentimento de que intercedidos por pessoas influentes se conseguiriam certos benefícios que solucionassem seus problemas. O menor número de técnicos disponíveis acirra o problema, dado que fomentar a real participação dos associados na sua organização e promover o seu protagonismo implicaria processos educativos de maior alcance, que requerem de mais tempo e esforço. Acabam tomando para si as decisões e os encaminhamentos, ficando os associados em uma posição passiva, de receptores dos serviços ou das supostas benesses a eles destinadas.

O papel pretendido para as associações no marco legal atual dista muito do observado na prática. A responsabilidade de diminuir essa brecha recairia, também segundo a legislação, nos serviços de ATER, os quais deveriam ter uma maior importância em processos de educação para a participação e para a gestão coletiva. No entanto, o perfil dos técnicos dista muito disso, tendo geralmente uma formação produtivista e com pouco aprofundamento em questões socioeconômicas e menos ainda em gestão da participação social. Assim, o perfil difusionista da extensão rural ainda pode ser encontrado na prática. Desta forma, o pretendido novo modelo de desenvolvimento local não seria fácil de ser alcançado, mantendo-se muitas das vezes o status quo, sem alterar-seo relacionamento dos cidadãos rurais com o poder público.

Enfim, nota-se que a associação representa um papel simbólico para seus associados, na intenção de juntos alcançarem seus interesses. Para tanto, seria necessário que tais associações conseguissem alcançar mais compromisso, participação e autonomia para se sustentarem; organizações constituídas “de cima para baixo” dificilmente conseguem ser verdadeiramente representativas e acabam esvaziando seus reais significados. Reiterados esforços bem intencionados fracassaram, o que nos faz questionar essa reiteração na utilização das organizações pelas políticas públicas. Promover políticas públicas atribuindo papéis às organizações não garante que estas passem a desempenhar esses papéis que lhes foram determinados. É preciso de um efetivo exercício de mediação que conduza os membros destas associações compreenderem o verdadeiro significado associativo e se apropriarem da gestão destas organizações para construir conjuntamente seu futuro. Novos modelos de participativos de desenvolvimento devem ser incentivados para que a política pública consiga que as organizações sejam verdadeiros porta-vozes da vontade e dos esforços coletivos de seus associados e não meros intermediários entre eles e os serviços estatais.

 

Nota

(1) Conforme lei 12.188, de 11 de janeiro de 2010, capítulo 1, inciso I a Assistência Técnica e Extensão Rural – ATER corresponde ao serviço de educação não formal no meio rural com a finalidade de promover processos de gestão, produção, beneficiamento e comercialização das atividades e dos serviços agropecuários e não agropecuários, inclusive das atividades agroextrativistas, florestais e artesanais.

 

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Recibido: 9 de septiembre de 2014.
Aceptado: 25 de septiembre de 2014.
Publicado: 29 de diciembre de 2014.

 

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