Mundo Agrario, Diciembre 2021 - Marzo 2022, vol. 22, n° 51, e179. ISSN 1515-5994
Universidad Nacional de La Plata
Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación
Centro de Historia Argentina y Americana

Artículos

Políticas públicas de inclusão produtiva de agricultores familiares: entre continuidades e descontinuidades na agenda política brasileira

Diego Neves de Sousa

Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária Grato, Brasil
Cita sugerida: Sousa, D. N. (2022). Políticas públicas de inclusão produtiva de agricultores familiares: entre continuidades e descontinuidades na agenda política brasileira. Mundo Agrario, 22(51), e179. https://doi.org/10.24215/15155994e179

Resumo: Como forma de apreender o referencial que orienta as políticas públicas para a agricultura familiar, procuramos compreender como os mediadores, classificados em cinco “mundos sociais” (extensionista, gestor, pesquisador, professor e movimentos sociais), identificam as políticas que mais tiveram foco na inclusão produtiva nas três últimas décadas (1990-2020). Para isso, utilizou-se da técnica de entrevista semiestruturada realizada com 80 mediadores sociais que atuam com os públicos da agricultura familiar no Estado do Tocantins. Conclui-se que apesar da mudança no “referencial” das políticas governamentais com vistas a incorporar a noção de inclusão produtiva, este não coincide, na maioria das vezes, com as ideias e práticas dos mediadores envolvidos nos processos de intervenção sociotécnica junto aos diferentes grupos de agricultores familiares.

Palavras-chave: Desenvolvimento Rural, Mediadores, Transferência de Tecnologia, Mercados.

Public policies for productive inclusion of family farmers: between continuities and discontinuities in the Brazilian political agenda

Abstract: As a way to apprehend the referential that guides public policies for family farming, we seek to understand how the mediators, classified in five “social worlds” (extensionist, manager, researcher, teacher and social movements), identify the policies that were most focused on productive inclusion in the last three decades (1990-2020). For this, we used the semi-structured interview technique carried out with 80 social mediators who work with the public of family farming in the state of Tocantins. It is concluded that despite the change in the "referential" of government policies aimed at incorporating the notion of productive inclusion, this does not coincide, in most cases, with the ideas and practices of the mediators involved in the processes of socio-technical intervention with different groups of family farmers.

Keywords: Rural Development, Mediators, Technology Transfer, Markets.

Introdução

As políticas públicas para a agricultura familiar foram implementadas, na década de 1990, a partir do seu reconhecimento institucional enquanto categoria pautada por expressiva heterogeneidade sociocultural e significativa representação produtiva, que se sustentou na capacidade em absorver a mão de obra rural e na busca por ampliar a oferta de alimentos (Mielitz Netto, 2011). Contudo, autores como Esquerdo e Bergamasco (2014, p. 215) advertem que, “para que uma política pública atinja o seu potencial, tão importante quanto a estrutura e o funcionamento da rede de agentes participantes, torna-se fundamental sua apropriação pelos diferentes agentes”. Para tanto, também é de suma importância que as políticas públicas sejam readequadas (traduzidas) pelos mediadores,1 com vistas a reconhecer as particularidades das diferentes categorias de agricultores familiares.

No caso dos “agricultores pobres”, foram propostas políticas públicas que incorporassem a noção de inclusão produtiva. No entanto, emergiram contradições suscitadas pelo termo pautada pelos desacordos sobre o espaço de manobra e as alternativas que existem para aqueles que precisam ser incluídos, os “pobres rurais” (Niederle, 2017), além de que o termo comporta uma pluralidade de significados que respondem a diferentes referenciais de desenvolvimento rural (Cavalcanti; Wanderley & Niederle, 2014).

Em recente estudo sobre a incidência de políticas públicas para a agricultura familiar em âmbito municipal, Grisa, Chechi e Sanguinet (2018) diagnosticaram quatro políticas que possuem significativa capilaridade no país. Destaque para o Programa Bolsa Família, o Programa Luz para Todos e o Pronaf, que estão presentes em quase 100 % dos municípios brasileiros, seguidos pelo Pnae. Não obstante, como destacam os autores, a atuação em conjunto ou articulada das políticas públicas ainda é bastante tímida.

Outra constatação é que as regiões Norte e Nordeste foram as que apresentaram maior incidência dessas políticas, ou seja, onde houve maior concentração geográfica no acesso das mesmas, provavelmente por serem regiões mais carentes e com desigualdade social mais aguçada, pelas quais precisam das políticas para se desenvolverem.

Segundo Cazella et al. (2016, p. 54), as políticas de natureza produtiva para a agricultura familiar têm caráter analítico de difícil separação entre políticas produtivas e assistenciais, pois a maioria das políticas públicas produz sempre resultados de natureza econômica e social. Desse modo, “os objetivos e resultados esperados dessas políticas tendem a estar mais relacionados a um ou a outro desses polos: econômico-produtivo ou social”.

Confirma-se, desse modo, que as principais e mais significativas transformações nas políticas públicas brasileiras para a agricultura familiar ocorreram a partir de 1995, ano em que foi instituído o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). A partir disso, fatos marcantes, como a criação do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) em 1999, e a publicação em 2006 de legislação específica que rege a Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais (Lei nº 11.326) contribuíram para o reconhecimento institucional da categoria sociopolítica da agricultura familiar.

Fomentado por esses principais episódios, um conjunto de políticas públicas (agrícola, agrária, social, mercado etc.) foram formuladas com a finalidade de atender as distintas dinâmicas das agriculturas familiares. Grisa e Schneider (2014) constataram a existência de três referenciais de políticas públicas da agricultura familiar.

Na primeira geração, destacou-se o Pronaf, que foi a primeira política agrícola do país direcionada especificamente aos agricultores familiares com o intuito de liberar crédito rural para a capitalização e o acesso daqueles “em transição” ‒ os quais se encontravam parcialmente inseridos nos circuitos de inovação tecnológica e de mercado ‒ tendo em vista torná-los “consolidados” (Fao/Incra, 1994).

A segunda geração de políticas surgiu diante dos efeitos negativos e das insuficiências verificadas pela política de crédito rural. Ela demarca a criação de um conjunto de políticas socioassistenciais para mitigar a pobreza rural não retratada pelas políticas orientadas por um referencial agrícola e agrário. No entanto, as políticas sociais se mostraram menos exitosas na promoção da inclusão produtiva dos agricultores (Grisa & Schneider, 2014).

Resultados mais evidentes estão associados à terceira geração de políticas para a agricultura familiar, a qual destaca a construção de mercados para a promoção da segurança alimentar e a sustentabilidade ambiental com ênfase para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) (Grisa & Schneider, 2014).

Em várias políticas públicas para a agricultura familiar, a ideia de inclusão produtiva aparece estreitamente associada à dinâmica dos mercados. Para Niederle (2017), as políticas de desenvolvimento rural devem ser baseadas em múltiplos mercados, na tentativa de atender as especificidades dos diferentes públicos beneficiários. Embora existam unidades familiares capitalizadas que se inserem competitivamente em diversas cadeias convencionais de commodities por meio da modernização tecnológica, esta opção está distante da realidade da maioria daqueles agricultores mais vulneráveis, que não conseguem se adaptar ao treadmill tecnológico promovido pela dinâmica destas cadeias.

A adequação das estratégias de inclusão produtiva à formação de mercados viáveis para diferentes grupos de agricultores implica em importante desafio para os mediadores sociais. Estes são portadores de conhecimentos que podem contribuir na tradução de informações, e, assim, articular as políticas públicas à realidade de cada público beneficiário. Os mediadores atribuem a si mesmos um papel “emancipador”, o qual é fomentado pela possibilidade de “transferência” de outras visões de mundo (materializada nas práticas dos agricultores) e pela incorporação de saberes distintos daqueles de que o grupo mediado se encontra dotado (Neves, 2010). Assim, o processo de “tradução” incorpora assimetrias de poder. Quando um porta-voz, neste caso o mediador social, fala em nome dos representados e de seus interesses, se torna um ator coletivo capaz de comunicar através de uma só voz e, desse modo, representar o interesse dos “mundos sociais” silenciados pelos processos de intervenção social. Esses mediadores são atores com papel relevante nos processos de tradução entre o referencial das políticas e a realidade dos públicos beneficiários (Callon, 1986; Deponti, 2008). Por outro lado, também se verifica, por vezes, as dificuldades encontradas pelos mediadores decorrentes da falta de articulação entre as políticas públicas em seus vários níveis, o que pode acarretar em “erros de tradução” (Aquino, Gazolla & Schneider, 2017).

Para além da desarticulação entre as políticas, o principal problema talvez seja o fato de que a noção de inclusão produtiva passou a balizar inúmeras políticas sem que os policy makers se preocupassem com o que realmente ela representa, ou seja, seu significado. Também se verifica essa incógnita no meio acadêmico, onde quase sempre o termo é utilizado de forma vaga e imprecisa. Assim, a coexistência de diferentes interpretações cria distorções na formulação, implementação, execução e mesmo na avaliação de determinada política pública. O que esperar, portanto, dos mediadores sociais que atuam diretamente com os beneficiários das políticas, e que têm que traduzir os referenciais que orientam as mesmas em ações concretas?

A proposição dos referenciais supracitados colaborou para melhor entendimento das continuidades e descontinuidades das políticas públicas para a inclusão produtiva de agricultores familiares brasileiros. Trata-se, assim, de entender as formas de relacionamento entre sociedade civil e Estado, e como ambas se articulam com a entrada de novos atores e ideias nas arenas públicas para tratar sobre as questões que remetem ao desenvolvimento rural.

Como forma de apreender o referencial que orienta as políticas públicas para a agricultura familiar, procuramos compreender como os mediadores, classificados em cinco “mundos sociais” (extensionista, gestor, pesquisador, professor e movimentos sociais), identificam as políticas que mais tiveram foco na inclusão produtiva nas três últimas décadas (1990-2020).

Para isso, na metodologia utilizou-se da técnica de entrevista semiestruturada realizada com 80 mediadores sociais que atuam com os diversos públicos da agricultura familiar no Estado do Tocantins.

Para sistematizar, categorizar e tornar possível o tratamento dos dados utilizou da análise de conteúdo do tipo temática (Bardin, 2011). Esta técnica constitui de

um conjunto de técnicas de análise de comunicação visando a obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção destas mensagens (Bardin, 2011, p. 42).

A análise de conteúdo visa, assim, “ultrapassar o nível do senso comum e do subjetivismo na interpretação e alcançar uma vigilância crítica em relação à comunicação de documentos, textos literários, biografias, entrevistas ou observação” (Minayo, 2000).

Dessa forma, utilizou de três etapas que compreendem: a) a pré-análise; b) a exploração do material; c) tratamento dos resultados obtidos da pesquisa de campo e interpretação. Para a categorização das variáveis analíticas e na elaboração de nuvem de palavras utilizou-se do apoio do software NVivo versão 11 como forma de discorrer sobre qual é o referencial de inclusão produtiva que predomina nas políticas de desenvolvimento rural e sua ligação com o que realmente está em voga nas legislações, além de serem apresentadas as narrativas dominantes.

Os referenciais de políticas públicas como ferramenta de análise

A formulação de políticas públicas consiste em construir uma representação social ou imagem da realidade sobre a qual se pretende realizar determinada intervenção. Isso indica que a referência que os atores sociais construíram, pauta-se sobre a interpretação do problema (dimensão cognitiva), ao confrontar-se suas soluções e propostas de ação pública (dimensões normativa e instrumental).

Assim, essa visão de mundo torna-se a “referência” para tal política pública. A partir desta perspectiva, Fouilleux (2000, p. 43) define “referencial de política pública” como uma “fotografia da política em um certo momento: um conjunto ordenado de ideias oriundas de diferentes Fóruns2 de Produção de Ideias, importadas, emendadas, recombinadas e aglomeradas em função dos imperativos próprios ao Fórum de Comunidades de Política Pública”.

Nas palavras de Grisa (2010, pp. 91-92), o referencial “permite explicar a heterogeneidade e as contradições internas suscetíveis de se encontrar uma política pública, deixando mais transparente a complexidade envolvida, no qual seja possível obter um compromisso entre as partes”. Dessa forma, os referenciais de políticas públicas baseados no contexto das ideias, buscam compreendê-las a partir das mudanças decorrentes da sociedade e nas formas de representá-las num determinado período e contexto frente ao problema a ser solucionado (dimensão cognitiva).

O quadro de referência para uma política pública passa a ser entendido por meio de dois elementos: o setorial e o global. A noção de referencial setorial adotada por Jobert e Muller (1987) aplica-se numa relação atrelada a imagem de um setor, de uma disciplina ou de uma profissão, ou seja, sempre numa dimensão espacial, numa determinada época, e que concentra medidas e instrumentos específicos que se diferenciam das questões globais. Por exemplo, na citação abaixo, Soldera (2017) ilustra o dualismo nos referenciais setoriais que influenciaram o espaço rural brasileiro nas últimas décadas marcado por mudanças no referencial global.

Até os anos 1990 o dualismo clássico do mundo rural brasileiro esteve majoritariamente orientado pela lógica entre os “grandes produtivos” e os “pequenos (e pobres) improdutivos”. Esta era a noção que sustentava as ações do Estado, cuja prioridade pactuada era dada à produtividade agrícola. A partir dos anos 1990, os parâmetros deste dualismo se reconfiguram em outra lógica, organizando-se entre Agricultura Familiar e agronegócio. Estas duas categorias sociopolíticas refletem a emergência de uma revigorada agenda sobre o desenvolvimento rural. A despeito de sua importância econômica, a Agricultura Familiar encontrou respaldo nas ações do referencial democratizante, “mais social” e protecionista, e o agronegócio expandiu sua representatividade por meio das ações do referencial liberalizante, iniciado ao final dos anos 1980, repactuado no início dos anos 2000 e mantido nas últimas décadas (Soldera, 2017, p. 72).

Quanto à noção de referencial global, este se vincula às ideias, ações e decisões mais gerais da sociedade, numa perspectiva de análise em nível macro. Neste sentido, Muller e Surel (2002) acreditam que o referencial global permite entender a influência que as matrizes cognitivas, normativas e instrumentais de nível macro implicam sobre determinados comportamentos e, fundamentalmente, as políticas setoriais. Jobert e Muller (1987) apontam, ainda, que em momento de crise é elegido um referencial global hegemônico que proporciona legitimidade ao novo contexto socioeconômico e político. É a partir desse tipo de transformação no referencial global que é ajustado o referencial setorial, de tal modo uma política pública muda porque a relação global-setorial se altera.

Portanto, “se o referencial global é alterado, há um movimento na sociedade no sentido de ajustar os referenciais setoriais àquele e, logo, há mudanças nas políticas públicas” (Grisa, 2012, p. 37). Cita-se, como exemplo, o discurso advindo da Revolução Verde, a partir da década de 1960 no Brasil, que sustentava a necessidade de modernização da agricultura em prol do cumprimento de sua função no desenvolvimento industrial e econômico para trazer benesses para a sociedade. Este é um caso de ajuste do referencial setorial, pautado pela necessidade de modernização tecnológica da agricultura, influenciado pelo referencial global, que neste período optava-se pelo crescimento da produção industrial e atender as demandas da sociedade sob uma lógica modernizante.

Resultados e discussão

A proposta geral desta seção é discorrer sobre qual é o referencial de inclusão produtiva que predomina nas políticas públicas da agricultura familiar e sua ligação com o que realmente está em voga nas legislações, além de serem apresentadas as narrativas dominantes.

Cabe notar que determinados atores entrevistados pertencem a mais de um mundo social. A identificação dos mundos sociais torna-se, portanto, uma ferramenta analítica cuja tipificação não engessa a possibilidade dos atores circularem, mas, ao mesmo tempo, reconhece os constrangimentos institucionais específicos aos mundos onde se encontram. Seguir os atores sociais em suas redes requer a compreensão de suas interações (principalmente no contexto dos “mundos sociais”) por meio de uma análise das narrativas, discursos, ideias e argumentos mobilizados. Para Callon (1986), os atores sociais que atuam em distintas arenas podem traduzir as mesmas questões de diferentes formas. Por isso da relevância de estudar os diferentes “mundos sociais” dos mediadores.

Para identificar os entrevistados foi utilizado o procedimento metodológico de “seguir os atores” que fazem parte da rede sociotécnica que opera as políticas públicas para as agriculturas familiares e suas organizações coletivas no Tocantins. O foco não foi construir sociogramas, ou seja, as diferentes configurações reticulares que o desenho da rede pode assumir, mas compreender o que mantém os inúmeros atores constituintes da rede sociotécnica em conexão com os diferentes mundos sociais (Latour, 2000; Tavares, 2012). A pesquisa iniciou com os extensionistas rurais provenientes de órgãos públicos e privados, considerados como mediadores centrais (ou porta-vozes) das políticas públicas, pois têm maior contato com os agricultores devido à capilaridade dos escritórios da empresa pública de extensão rural no Estado do Tocantins, e, também, por ela ser executora de diversas políticas federais e estaduais.

De um total de 80 entrevistados desta pesquisa de campo, 74 citaram pelo menos uma política pública que contribui para a inclusão produtiva de agricultores familiares. As principais políticas citadas podem ser visualizadas na Figura 1.

No que tange às políticas federais, 56 respondentes foram unânimes em relação a quatro políticas: o Pronaf (e suas modalidades: Agroecologia e Mulher) e a Política Nacional de Assistência e Extensão Rural (Pnater), ambas pertencentes a primeira geração de políticas públicas para agricultura familiar que incentivam a produção agrícola, além do PAA e do Pnae da terceira geração, que são voltadas à comercialização na perspectiva de promover a segurança alimentar e nutricional. Essas políticas também estão entre as principais ações de inclusão produtiva realizada nos municípios brasileiros conforme foi apresentado em um estudo do IBGE (2014).

Figura 1
Nuvem de palavras extraída da categoria “políticas públicas mais importantes de inclusão produtiva”
Nuvem de palavras extraída da categoria “políticas públicas mais importantes de inclusão produtiva”
Fonte: Dados da pesquisa. Elaborado pelo autor, NVivo.

Como bem pontuado pelos mediadores, é importante frisar que a Pnater perpassa por todas as gerações por ser uma política que “caminha” junta com as demais no sentido de assessorar os agricultores em diferentes áreas, inclusive no acesso às políticas públicas. Apesar disso, entende-se que a Pnater está mais relacionada a primeira geração por ser uma política que fomenta a produção agrícola. É importante assinalar que na categoria Pnater foram agrupadas as indicações dos mediadores que se referiram também a “assistência técnica”, sem se referirem propriamente à Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural. Por isso que nas nuvens de palavras, ilustradas na Figura 1, tem simultaneamente tanto o termo assistência quanto o termo Pnater.

Por sua vez, não houve referência a políticas de segunda geração, apesar de que autores como Grisa e Schneider (2014) revelaram que, nas últimas décadas, há indícios de que áreas rurais mais empobrecidas do país com acesso a políticas sociais tiveram melhorias em seus indicadores de desenvolvimento que, provavelmente, não teriam sido alcançadas somente por meio da primeira e/ou da terceira geração de políticas para a agricultura familiar.

A desconexão entre as políticas de segunda geração e inclusão produtiva é também reconhecida por Grisa e Schneider (2014, p. 137), para quem “nem sempre de forma planejada e deliberadamente intencional, as políticas sociais e assistências acabaram tendo repercussões sobre o desenvolvimento rural sob um viés que não é da inclusão produtiva ou pela ativação do mercado de trabalho”.

Outros trabalhos também chegaram à conclusão de que as políticas sociais tiveram dificuldades em integrar-se a iniciativas voltadas à inclusão produtiva (Souza, 2013; Cazella et al., 2016), apesar de que foram as primeiras3 políticas a tratarem de questões sobre os aspectos da inclusão produtiva como vetor na mobilização das capacidades sociais e produtivas, no enfrentamento da pobreza e na emancipação dos beneficiários (Sousa & Niederle, 2018).

Em relação às políticas públicas de cunho estadual houve baixo índice de respondentes (43,5 %) sobre o total de entrevistados que conhecem as políticas criadas pelo governo do Tocantins para os públicos da agricultura familiar. Aquela que se destacou foi o Compra Direta, principalmente relatada pelos extensionistas do Instituto do Desenvolvimento Rural do Tocantins (Ruraltins). A principal justificativa para este resultado é o fato de que esta instituição é a responsável por executar o Compra Direta no Estado, embora seja uma modalidade do PAA operada com recursos federais. Assim, os mediadores a reconhecem como estadual devido à relação de proximidade e capilaridade que o Ruraltins consegue atingir, uma vez que está presente em quase todos os municípios tocantinenses.

Também o Programa Terra Forte foi citado timidamente e ocorre a mesma situação supracitada já que é uma política federal, mas vista como estadual por ser operacionalizada pela Secretaria da Agricultura, Pecuária e Aquicultura do Governo do Tocantins (Seagro). Tanto o Compra Direta quanto o Programa Terra forte são vistos, na ótica dos mediadores, como políticas estaduais porque o governo federal destina seus recursos para que órgãos estaduais as executem, o que corrobora para que estes tenham maior visibilidade em relação às ações do governo federal. Isso contribui para que tenham essa referência, especialmente os mediadores que não têm proximidade com essas políticas. Outras também foram citadas, como o Programa Bacia Leiteira, Fomento, Quintal Verde e Sisteminha, com menos de três vezes.

Ao ser analisado comparativamente os diferentes mundos sociais, verificou-se que a ordem de qual é a principal política de inclusão produtiva alterou-se de acordo com a predileção dos mediadores, como pode se notar na Figura 2.

Figura 2
Nuvem de palavras extraída da subcategoria “políticas federais” de acordo com as narrativas dos mediadores
Nuvem de palavras extraída da subcategoria “políticas federais” de acordo com as narrativas dos mediadores
Fonte: Dados da pesquisa. Elaborado pelo autor, NVivo.

No caso dos extensionistas rurais, provenientes tanto do órgão oficial de Assistência Rural (Ater) quanto de empresas de Ater privadas, ambos mencionam a Pnater (assistência) como a principal política de inclusão produtiva, colocando em evidência a sua própria atuação. A segunda mais citada envolve o PAA, programa em que os extensionistas dão assessoria técnica aos agricultores e seus empreendimentos coletivos na elaboração e execução de projetos. Já a terceira política mais referenciada é o Pronaf com participação significativa dos técnicos extensionistas na elaboração do projeto de crédito rural.

Verificou-se, também, a referência ao Pronaf nas modalidades agroecologia e mulher, o que pode admitir à emergência de novos atores e de novidades inovadoras nos espaços rurais, ao integrar no processo de Ater um conjunto de aprendizagens, práticas e formas organizacionais alternativas ao modelo convencional.

Em quarto lugar foi citado o Pnae, nos quais os extensionistas se enquadram no papel de assessores técnicos para fomentar a participação dos agricultores em Chamadas Públicas da alimentação escolar. Em seguida encontram-se as políticas de Fomento e Plano ABC (Agricultura de Baixa Emissão de Carbono, ou também denominada Plano Setorial de Mitigação e de Adaptação às Mudanças Climáticas para a Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura).

O Programa de Fomento é um desdobramento do extinto Programa Brasil Sem Miséria, que atualmente é de responsabilidade do Ruraltins, que executa no Estado oferecendo aos beneficiários o serviço de assistência técnica gratuita e a transferência de recursos financeiros no valor de R$ 2.400,00 para a compra de insumos e equipamentos, a fim de viabilizar inicialmente seu projeto produtivo. Em um estudo dos impactos do Programa de Fomento no Rio Grande do Sul confirmou ter sido capaz de alcançar as famílias mais excluídas do meio rural, ao apoiar-se em seus projetos produtivos, que tiveram significativa contribuição na melhoria de sua segurança alimentar com geração de renda possível em cada realidade. Ademais, incidiu positivamente sobre a autonomia das mulheres rurais e constituiu em espaços de sociabilidade e de relações destas famílias, que deram passos importantes no sentido de ampliar a cidadania (Bernardi, 2019).

Já o Plano ABC visa desenvolver práticas que contribuam para a redução da emissão dos gases de efeito estufa e que têm os agricultores familiares como um dos potenciais públicos para alcançar as metas do governo. No Tocantins, esta política é disseminada pelos extensionistas rurais em parceria da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) através de projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I), que versam sobre essa temática.

Por sua vez, os gestores provenientes de órgãos públicos e privados apontaram como principais políticas de inclusão produtiva, em ordem hierárquica, a Pnater, o PAA, o Pnae, o Pronaf e a Atividade Fomento. Essas foram citadas de acordo com o envolvimento do gestor ou da instituição de origem em suas práticas de intervenção, ou seja, as políticas indicadas foram aquelas que tinham ligação com o ambiente de trabalho do referido gestor, sendo, em alguns casos, o responsável por executar tal política no Estado.

A Pnater também foi apresentada pelos representantes dos movimentos sociais como a principal política de inclusão produtiva, principalmente pelo estímulo, a partir de 2010, das Chamadas Públicas que deram mais capilaridade ao serviço de Ater nos distintos territórios (rurais, da cidadania, da pesca e aquicultura, etc.) e na abrangência de públicos (quilombolas, indígenas, mulheres rurais, etc.) beneficiários. Uma crítica assinalada por Diniz e Lima (2012) é que as Chamadas Públicas de Ater foram criadas para ser instrumento legal para a ampliação da execução dos serviços extensionistas pelas organizações governamentais e não governamentais, embora ao contrário do que pressupõe a legislação, elas foram executadas sob o enfoque produtivista, mesmo aquelas que tiveram focos em temáticas alternativas.

Outras políticas citadas foram o Pronaf (principalmente nas modalidades mulher e agroecologia), os mercados institucionais (PAA e Pnae) e as políticas territoriais, respectivamente. Os temas “mulheres rurais” e “agroecologia” são bastante debatidos e articulados pelos movimentos sociais como “bandeira de luta”, por isso que essas modalidades do Pronaf foram preditas com ênfase, ao invés de ser citado apenas genericamente como ocorreu com outros mediadores (pesquisadores e professores que em nenhum momento citaram essas modalidades).

Já os mercados institucionais são vistos pelos movimentos sociais como importante política para a geração de renda das famílias de agricultores familiares. Os únicos mediadores que mencionaram as políticas territoriais foram os informantes oriundos de movimentos sociais. Estes estiveram intrinsecamente próximos dos Colegiados Territoriais, órgão gestor composto por representantes das três esferas de governo e da sociedade civil, em cada um dos territórios, com a finalidade de:

(a) divulgar as ações do programa; (b) identificar demandas locais para o órgão gestor priorizar. No caso dos extensionistas rurais, provenientes tanto do órgão oficial de Assistência Rural (Ater) quanto de empresas de Ater privadas, ambos mencionam a Pnater (assistência) como a principal política de inclusão produtiva, colocando em evidência a sua própria atuação. A segunda mais citada envolve o PAA, programa em que os extensionistas dão assessoria técnica aos agricultores e seus empreendimentos coletivos na elaboração e execução de projetos. Já a terceira política mais referenciada é o Pronaf com participação significativa dos técnicos extensionistas na elaboração do projeto de crédito rural.

Verificou-se, também, a referência ao Pronaf nas modalidades agroecologia e mulher, o que pode admitir à emergência de novos atores e de novidades inovadoras nos espaços rurais, ao integrar no processo de Ater um conjunto de aprendizagens, práticas e formas organizacionais alternativas ao modelo convencional.

Em quarto lugar foi citado o Pnae, nos quais os extensionistas se enquadram no papel de assessores técnicos para fomentar a participação dos agricultores em Chamadas Públicas da alimentação escolar. Em seguida encontram-se as políticas de Fomento e Plano ABC (Agricultura de Baixa Emissão de Carbono, ou também denominada Plano Setorial de Mitigação e de Adaptação às Mudanças Climáticas para a Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura).

o atendimento (de acordo com critérios, sistemas de gestão pré-estabelecidos, especificidades legais e instâncias de participação existentes); (c) promover a interação entre gestores públicos e conselhos setoriais; (d) contribuir com sugestões para qualificação e integração de ações; (e) sistematizar as contribuições para o Plano Territorial de Ações Integradas; f) exercer o controle social do programa (Delgado & Leite, 2011, p. 436).

A compreensão de Moura (2014, p. 303) é que “os movimentos sociais recriam estratégias e reformulam interesses pautados nessas novas perspectivas de espacialidade, no caso os territórios rurais”; mas, ainda assim, foram poucos representantes de movimentos sociais que nomearam nesta pesquisa políticas territoriais específicas, deixando a resposta de forma ampla, sem especificar qual seria propriamente o nome da política que mais contribuiu para os requisitos da inclusão produtiva.

Já os pesquisadores avaliaram que o Pronaf é a principal política de inclusão. Essa relação em termos de inclusão produtiva está associada a uma visão mais instrumental sobre transferência de tecnologia e como esta política de crédito pode potencializar o acesso do agricultor a equipamentos, máquinas e artefatos tecnológicos, ocasionando, assim, a modernização do seu sistema produtivo. Posteriormente, o PAA e o Pnae foram as políticas mais citadas, respectivamente. É provável que seja pelos trabalhos que a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e parceiros realizam no Tocantins para a inserção do pescado proveniente da agricultura familiar nos mercados institucionais (Itoz et al., 2017; Silva et al., 2017; Sousa & Kato, 2017; Sousa et al., 2018; Santos et al., 2018; Sousa, Kato & Niederle, 2019). Logo em seguida, a quarta mais citada pelos pesquisadores foi a Pnater, justamente pela proximidade de trabalhos extensionistas entre a Embrapa e o Ruraltins. A explicação é que a Embrapa, por ser uma instituição que desenvolve soluções tecnológicas para o meio rural, tem nas empresas de Ater as principais parceiras, já que a tecnologia gerada por essa organização de PD&I é transferida, por meio de capacitações, para os técnicos da extensão rural que estão presentes na maior parte dos municípios e, por sua vez, estão mais próximos dos agricultores.

A política de Seguro Defeso foi a quinta mais citada por este grupo social. A justificativa deve-se ao fato de que a Embrapa no Tocantins, com a missão nacional de gerar conhecimentos e tecnologias para a pesca e aquicultura, tem em seu escopo diversas atuações junto aos pescadores artesanais, público que está inserido na categoria da agricultura familiar, e que visualiza nesta política de transferência de renda, direcionada aos pescadores no período do defeso, efeitos positivos para a continuação da atividade pesqueira. Finalmente, cita-se o Plano ABC também por ser uma temática bem desenvolvida por pesquisadores e analistas da Embrapa como forma de contribuir, a partir da Fixação Biológica de Nitrogênio, para o alcance das metas do Governo Federal atinentes à redução das emissões de gases do efeito estufa (Alcântara et al., 2017; Belchior et al., 2017).

O último “mundo social” analisado é o dos professores, os quais citaram quatro políticas expressivas que viabilizam a inclusão produtiva dos agricultores familiares. A principal foi a política de crédito, o Pronaf, seguida pelo Pnae, Pnater e PAA. E com apenas uma citação foi indicado o Programa Nacional de Produção de Biodiesel. Com isso, também se verifica que, em boa parte dos entrevistados, dissemina em seus processos de intervenção o viés produtivista.

Percebeu-se, a partir dos resultados apresentados, que essas são as políticas com as quais os professores universitários têm mais familiaridade, visto que muitos dos beneficiários dessas estão com frequência ou encontram-se no meio urbano, o que pode contribuir para a articulação in loco de projetos de pesquisa e de extensão. Também se nota que muitos projetos surgem a partir de demandas dos agricultores que vão à universidade em busca de solução aos seus problemas identificados na propriedade rural.

Por último, é importante destacar deste estudo indícios da emergência de uma quarta geração de políticas públicas para a agricultura familiar brasileira pautada por um novo referencial setorial que tem como destaque os “novos” mercados e a extensão rural. Os “novos” mercados têm se constituídos como o resultado do esforço de uma rede de atores onde, no centro, aparecem principalmente os extensionistas rurais. Para a promoção desses “novos” mercados, não apenas é importante ampliar a infraestrutura do sistema de Assistência Técnica e Extensão Rural, mas também qualificar os extensionistas rurais (e demais mediadores sociais) para atuarem como facilitadores das redes sociotécnicas que trabalham com a agricultura familiar.

Conclusão

Identificar e analisar os referenciais de inclusão produtiva que orientam as políticas públicas da agricultura familiar nos levou a inferir que, apesar da mudança no “referencial” das políticas governamentais com vistas a incorporar a noção de inclusão produtiva, este não coincide, na maioria das vezes, com as ideias e práticas dos mediadores envolvidos nos processos de intervenção sociotécnica junto aos diferentes grupos de agricultores familiares. A explicação é que das quatro políticas públicas mais citadas como promotoras de inclusão produtiva, apenas uma tem explicitamente em sua legislação aspectos voltados para este fim, neste caso o PAA. Nas demais políticas não há menção explícita em suas respectivas legislações.

No geral, o estudo identificou que as principais políticas públicas federais que promovem a inclusão produtiva de agricultores familiares são: Pronaf, Pnater, PAA e Pnae. Observou, ainda, baixa sinergia das políticas sociais em relação à inclusão produtiva, pois não houve essa referência na pesquisa de campo, apesar de existirem relatos na literatura de que as áreas rurais mais empobrecidas do país com acesso às políticas sociais tiveram melhorias em seus indicadores de desenvolvimento que, provavelmente, não teriam sido alcançadas somente por meio da primeira e/ou da terceira geração de políticas para a agricultura familiar. Outro resultado obtido foi o baixo índice de respondentes (43,5 %) sobre o total de entrevistados que conhecem políticas públicas estaduais para a agricultura familiar.

Ao ser analisado comparativamente os diferentes mundos sociais notou-se alteração na ordem de predileção das políticas de inclusão produtiva. Os extensionistas mencionam a Pnater como a principal política de inclusão produtiva, colocando em evidência a sua própria atuação. Na sequência foram citadas o PAA, Pronaf e Pnae, por assessorarem os agricultores na elaboração e execução de projetos relacionados a elas. Os gestores apontaram como principais políticas de inclusão produtiva, em ordem hierárquica, a Pnater, o PAA, o Pnae, o Pronaf e a Atividade Fomento. Essas foram citadas de acordo com o envolvimento do gestor ou da instituição de origem. Os representantes dos movimentos sociais assinalaram a Pnater como a principal política de inclusão produtiva, principalmente pelo estímulo, a partir de 2010, das Chamadas Públicas que conferiram mais capilaridade ao serviço de Ater nos distintos territórios e maior abrangência de públicos beneficiários. Outras políticas citadas foram o Pronaf (principalmente nas modalidades mulher e agroecologia), os mercados institucionais (PAA e Pnae) e as políticas territoriais, respectivamente. Os pesquisadores avaliaram que o Pronaf é a principal política de inclusão, pois está associada a uma visão mais instrumental sobre transferência de tecnologia e como esta política de crédito pode potencializar o acesso do agricultor a equipamentos, máquinas e artefatos tecnológicos, ocasionando, assim, a modernização do seu sistema produtivo. Também citaram o PAA, o Pnae e a Pnater influenciados pela proximidade de trabalhos extensionistas entre a Embrapa e o Ruraltins. O último “mundo social” é o dos professores, os quais citaram como expressivas quatro políticas que viabilizam a inclusão produtiva dos agricultores familiares, quais sejam: Pronaf, Pnae, Pnater e PAA. Com isso, também se verifica que o referencial produtivista é associado a essas políticas nos processos de intervenção sociotécnica.

Outro apontamento deste estudo é que o serviço de extensão rural vem sendo protagonista de ações que contribuem significativamente para uma possível consolidação de uma quarta geração de políticas públicas. Deve-se, por exemplo, à reformulação do serviço de Ater, que vem utilizando novos instrumentos didático-pedagógicos na orientação técnica, a adoção de métodos participativos que têm caráter construtivista, os quais colocam o agricultor no centro dos processos de tomada de decisão, distanciando-se de um padrão difusionista. Com isso, os extensionistas vêm contribuindo para o fortalecimento de uma rede sociotécnica para assessorar a inclusão dos agricultores familiares em “novos” mercados, especialmente os digitalizados (via aplicativos), influenciados pela pandemia da Covid-19.

Há a necessidade de realizar novas investigações para avaliar outros aspectos que não foram atendidos neste trabalho, como, por exemplo, mudar o foco do problema dos mediadores para os agricultores familiares, a fim de entender o que estes querem ou precisam em termos de inclusão produtiva, tendo em vista que são considerados o centro das políticas públicas de desenvolvimento rural. Será relevante avaliar também os desdobramentos da atual crise institucional e mudança nos referenciais de ação pública, uma vez que se constata o retorno de temas (fome e pobreza) e problemáticas do meio rural em detrimento da retirada da inclusão produtiva do centro da agenda política.

Com isso, os desafios para a agricultura familiar frente ao novo cenário político e econômico tornaram-se ainda maiores com os contingenciamentos dos recursos para as políticas públicas e a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário (e demais órgãos que tratavam especificamente do tema do desenvolvimento rural e da agricultura familiar) ancorados na narrativa governamental centrada na emergência de se realizar ajuste fiscal no país para a retomada da confiança entre os agentes econômicos e a capacidade de investimento.

Os desafios à frente nos levam, portanto, a confirmar a coexistência de diferentes referenciais que orientam as políticas públicas para a agricultura familiar, o que explica as intensas contradições existentes no âmbito do desenvolvimento rural. De todo modo, isso não somente compromete a continuidade das políticas públicas, mas também os processos de tradução conduzidos pelos mediadores sociais. Por essa razão, estes têm a função de tornar inteligível (ou seja, de traduzir) aos demais atores do meio rural as alterações que vêm ocorrendo no referencial das políticas públicas da agricultura familiar para que não haja desconexão com suas ideias e práticas.

Agradecimentos

Financiamento obtido pela chamada cnpq/sescoop nº 07/2018.

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Notas

1 Neste estudo entende-se que o mediador é capaz tanto de traduzir conhecimentos e tecnologias por meio de intervenções sociotécnicas, como particularmente na tradução de políticas públicas para os agricultores familiares.
2 Fouilleux (2003) conceitua fóruns como espaços possíveis de institucionalização e especialização, regidos por regras e demandas específicas de diferentes atores que debatem suas percepções de mundo. São divididos em dois tipos: Fórum de Produção de Ideias e Fórum de Comunidades de Política Pública. O primeiro é o espaço onde são produzidas diferentes representações sociais sobre as políticas públicas conforme os interesses, identidades, relações de poder e instituições que correspondem o grupo. Enquanto o segundo fórum é o espaço de reutilização e institucionalização das ideias produzidas pelo fórum anterior, no qual as ideias são discutidas, selecionadas, combinadas e institucionalizadas em políticas públicas. Neste contexto, este conceito não será utilizado nas análises desta tese, já que a questão principal não é entender a produção de ideias da política pública. Ao invés de remeter o conceito de “fóruns”, escolhe-se adotar a noção de “mundos sociais”, que remete a específicos discursos, concepções e visões que geram alianças e/ou controvérsias em determinados contextos.
3 Neste caso, destaque para a Política Nacional de Assistência Social, a Política Nacional de Resíduos Sólidos e a Atividade de Fomento do Programa Brasil Sem Miséria (Sousa & Niederle, 2018).

Recepción: 30 Enero 2022

Aprobación: 11 Marzo 2022

Publicación: 30 Marzo 2022

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