Mundo Agrario, diciembre 2022 - marzo 2023, vol. 23, núm. 54, e198. ISSN 1515-5994
Universidad Nacional de La Plata
Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación
Centro de Historia Argentina y Americana

Artículos

O que as mobilizações de rua contra demarcações de terras indígenas de 2013 tem a nos dizer?

Marcelo Artur Rauber

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil
Cita sugerida: Rauber, M. A. (2023). O que as mobilizações de rua contra demarcações de terras indígenas de 2013 tem a nos dizer? Mundo Agrario, 23(54), 198. https://doi.org/10.24215/15155994e198

Resumo: Além das grandes manifestações urbanas que ocorreram no Brasil em 2013, pequenos e médios municípios do interior do país também foram palco de agitação política, mas por uma pauta específica: as terras indígenas. O objetivo deste trabalho é analisar as ocorrências de mobilização de rua contra regularização de terras indígenas naquele ano, identificar os principais grupos sociais envolvidos e suas formas de manifestação. Os resultados demonstram que a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) do Congresso Nacional, organizações patronais da agropecuária e entidades sindicais ligadas à agricultura familiar foram os protagonistas dessas ações, realizadas principalmente na região Centro-Sul do Brasil.

Palavras-chave: Conflitos agrários, Posse da terra, Regularização de terras Indígenas, Povos Originários.

What can the demonstrations against the recognition of Indigenous lands in 2013 tell us?

Abstract: In addition to the large urban demonstrations that took place in Brazil in 2013, there were also several demonstrations in small and medium-sized municipalities, but for a specific agenda: the Indigenous lands. The aim of this article is to analyze the demonstrations against the regularization of Indigenous lands, identify the main social groups involved and their forms of action. The results show that the Parliamentary Front of Agriculture, agricultural employers' organizations and family farming unions were the protagonists of these actions, carried out mainly in the center-south region of Brazil.

Keywords: Agrarian conflicts, Land tenure, Regularization of Indigenous lands, Indigenous Peoples.

Introdução

Em 30 de maio de 2013, Oziel Gabriel, indígena Terena, de 36 anos, foi morto por forças policiais na ação de reintegração de posse da Fazenda Buriti, localizada no município de Sidrolândia, no Mato Grosso do Sul. Na semana seguinte, em 7 de julho, cerca de 40 agropecuaristas se encontraram no Sindicato Rural de Sidrolândia preocupados com a repercussão negativa desse acontecimento. Nessa reunião decidiram promover uma manifestação pública às margens da BR-060, rodovia que passa pelo município: “Vamos usar panfletos e adesivos para chamar a atenção dos moradores de Sidrolândia sobre a nossa situação. (...) Nós queremos mostrar para a população o nosso lado também. Estamos sofrendo com essa situação e temos que ser vistos como produtores”, declarou Osório Luiz Straliotto, presidente da entidade, ligada ao segmento de empregadores rurais (Dias, 2013). O processo de reconhecimento da terra indígena (TI) Buriti transcorria desde 1999, sendo marcado por disputas judiciais com fazendeiros com títulos de propriedade incidentes na área (caso da Fazenda Buriti). A área havia sido declarada como terra indígena pelo Ministério da Justiça em setembro de 2010 (Brasil, 2019) e, desde então, os Terena aguardavam sua homologação pela Presidência da República, última etapa para regularização de uma TI (Brasil, 1996).1

Em 15 de julho de 2013, no município de Sananduva, no Rio Grande do Sul, os conflitos relacionados à regularização da TI Passo Grade do Rio Forquilha, reivindicada pelos Kaingang, desembocaram em lutas corporais entre agropecuaristas e indígenas. No dia seguinte, os serviços públicos e o comércio do município paralisaram suas atividades para realizar uma manifestação na praça central da cidade contra o reconhecimento dessa TI e em solidariedade aos agricultores. A terra indígena em questão aguardava homologação pela Presidência da República desde abril de 2011 (Brasil, 2019). Esses dois casos são exemplares de diversas outras ocorrências de mobilizações de rua contra a regularização de “terras tradicionalmente ocupadas” por povos indígenas (Artigo 231 da Constituição federal brasileira de 1988), que ocorreram em 2013, sinalizando uma questão relevante a ser analisada com maior profundidade.

Entre 2011 e 2016, os povos indígenas estavam entre os segmentos sociais mais mobilizados do Brasil, principalmente por meio das ações de reivindicação de terras chamadas de “retomadas” e “autodemarcações”, que tiveram importante aumento entre 2011 e 2013 (Tatagiba & Galvão, 2019). Mas essas mobilizações também produziram reações. Um dos efeitos da regularização de TIs é tornar nulos e extintos atos que tenham por objeto sua ocupação, domínio e posse, salvo benfeitorias de ocupação de boa-fé (Brasil, 1988). Como consequência, ocupantes ou pretensos proprietários não indígenas têm direito apenas à indenização pelas benfeitorias de boa-fé, mas não pela terra. Assim, o avanço do reconhecimento de TIs a partir da década de 1990, na esteira da Constituição de 1988, colocou em questão títulos de propriedade em diversas regiões do país onde as frentes de colonização já haviam atuado, contando com respostas antagônicas de grupos sociais locais e regionais.

Entre os opositores ao reconhecimento das TIs, Tavares (2012) identificou a atuação, em meados da década de 2000, da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), entidade sindical nacional vinculada ao segmento patronal do rural brasileiro fundada em 1964, e algumas de suas federações estaduais. Segundo Tavares (2012), naquele período a CNA realizou disputas no âmbito do Poder Judiciário e dedicou sua estrutura de especialistas e veículos de comunicação para abordar o tema e orientar sua base social a contestar administrativamente e judicialmente os laudos de identificação de TIs. Trabalhos recentes também têm destacado as ações da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) do Congresso Nacional, organização parlamentar suprapartidária que reúne principalmente os parlamentares ruralistas e vinculados aos interesses do agronegócio (Pompeia, 2018; Pereira; 2018; Dalla Costa, 2019). Desde a década de 1980, os ruralistas têm como pautas históricas a flexibilização das leis trabalhistas para o meio rural, a renegociação das dívidas agrícolas e, principalmente, o enfrentamento de propostas de reforma agrária (Vigna, 2001; Bruno, 2017). Contudo, as informações sistematizadas sobre os demais grupos sociais que se opuseram às TIs nas áreas de conflito e as relações que estabelecem com esses atores já identificados na literatura ainda são escassas. Portanto, cabe expandir o estudo dos conflitos agrários relacionados às TIs de modo que se identifique a redes de aliados que antagonizam as demarcações e como esses grupos atuam.

Nesse contexto, o objetivo deste trabalho foi analisar essas manifestações de rua contra a regularização de terras indígenas e caracterizar os principais grupos sociais envolvidos nessas ações. A intenção também foi verificar as formas de mobilização de rua a que esses manifestantes recorreram e sintetizar as principais questões encontradas a partir dessas ações coletivas. Com isso, também pretendemos contribuir com o mapeamento dos conflitos agrários no país, identificando os principais locais de tensionamento social no que se refere às TIs. Procuramos, desse modo, tornar mais transparente a opacidade das teias sociais e as relações de antagonismo e colaboração (Elias, 2001; 2008) estabelecidas para contestar a garantia do direito à terra de povos indígenas.

Nesse âmbito, as mobilizações de rua contra o reconhecimento de TIs pelo Estado brasileiro foram o ponto de partida para buscar identificar, ainda que parcialmente, as redes de relações estabelecidas em torno da organização de tais iniciativas. Como veremos, tais mobilizações também expõem acontecimentos precedentes, que muitas vezes funcionaram como gatilho para os atos públicos, explicitando a sequência de eventos da disputa política em torno da pauta. Em contexto de conflitos cada ação do jogo político é dependente da anterior e condiciona a posterior, mesmo que haja grande disparidade nas relações de poder (Elias, 2008). Assim, quando nos referirmos à disputa, às ações tomadas ao longo do confronto político envolvendo as TIs, pensamos a partir de seu caráter processual, de ações que, mesmo em situações de desvantagem, condicionam as ações posteriores. Isso é pertinente para estudar a contenda envolvendo indivíduos que atuam em condição de desvantagem política, como frequentemente é o caso do movimento indígena.

Metodologia

O recorte temporal do levantamento se deu entre os anos de 2011 e 2014, apontados em trabalhos como o de Pompeia (2018) como período em que as TIs ganharam destaque na agenda de entidades representativas do agronegócio. A principal fonte de dados para a pesquisa foram notícias, especialmente de portais da internet e de canais de TV especializados na cobertura do agronegócio. Dentre eles, citamos especialmente: o portal Notícias Agrícolas (noticiasagricolas.com.br), de Campinas – SP, fundado em 1997, que se coloca como um meio de comunicação do agronegócio brasileiro; o Canal Rural, de sinal aberto, que, a partir de fevereiro de 2013, passou a pertencer à J&F Investimentos, holdingque controla o frigorífico JBS, uma das maiores indústrias de alimentos do mundo, e o canal Terraviva, emissora de sinal aberto sobre agronegócio do Grupo Bandeirantes de Comunicação, conglomerado de mídia brasileiro. Esses meios de comunicação mencionados possuíam linha editorial pró-agropecuaristas, sendo importantes para o levantamento justamente por buscarem dar visibilidade e divulgar todas as manifestações contra a regularização de TIs. Nas abordagens dos acontecimentos aqui analisados, as populações indígenas eram apresentadas por esses meios de comunicação como o “outro”, aquele que está em situação irregular, que não possuía agenciamento na questão e não era fonte no discurso jornalístico – situação semelhante àquela identificada por Airoso da Motta e Oliveira (2015).

A busca avançada da rede social Twitter foi utilizada na investigação das manifestações, complementando e confirmando informações. O uso de mais de uma fonte e de dados alternativos à imprensa contribui para garantir uma cobertura mais ampla e precisa dos eventos, reduzindo o viés de seleção e aumentando a riqueza dos detalhes (Earl et al., 2004). Nesse caso, foram selecionadas contas dos portais de notícias acima mencionados, das organizações sociais identificadas nesses eventos e de figuras públicas envolvidas com a questão (como parlamentares federais). Foi realizada análise postagem a postagem nas datas identificadas de ocorrência das mobilizações e pesquisa com uso de palavras-chave (terras indígenas, protesto, manifestação e demarcação).

A comprovação de ocorrência das mobilizações se deu por registros fotográficos, audiovisuais e notícias, buscando-se evidência da atividade em pelo menos duas fontes. Foram identificadas 31 notícias a respeito das manifestações contra a regularização de TIs (na forma de textos e vídeos) e sete postagens em redes sociais contribuíram com informações adicionais. Todos os registros foram analisados buscando-se identificar o que aconteceu, os organizadores da ação, as motivações, e onde e quando ocorreu o evento. Como os veículos de imprensa não divulgavam a situação jurídica das TIs em questão, foi consultada uma tabela fornecida pela Fundação Nacional do Índio (Funai) por meio de solicitação na Plataforma Integrada de Ouvidoria e Acesso à Informação (Fala.BR), do governo federal (Brasil, 2019).

Como mencionado no início deste trabalho, esses eventos se concentraram no ano de 2013. Em 2012 foi identificada apenas uma mobilização de rua contra demarcação de TI, realizada em 2 de outubro, em Getúlio Vargas (RS), na qual agropecuaristas bloquearam a Rodovia RS-185. Essa ação aconteceu uma semana após o Ministério da Justiça ter publicado a portaria declaratória da TI Mato Preto, localizada no município (“Mobilização...”, 2012). Vale observar que nos anos 2011 e 2012 ocorreram diversas mobilizações de rua de agropecuaristas pela aprovação do novo Código Florestal (que se tornou a Lei n° 12.651/2012), a exemplo daquelas registradas por Sevá (2016). A pauta da legislação ambiental ocupou lugar central na agenda das organizações ligadas ao meio rural até a aprovação do texto principal da nova lei, no final do primeiro semestre de 2012.

O resultado do levantamento se encontra no Quadro A das informações suplementares (IS), no qual as mobilizações ocorridas ao longo de 2013 são detalhadas pelos municípios em que ocorreram, as formas de manifestação identificadas, as organizações sociais que tiveram a iniciativa da atividade e o motivo da ação declarado pelos manifestantes ou constatado nas notícias. No Quadro B (IS) são apresentados os 22 municípios em que ocorreram as ações da “Mobilização nacional pela revisão e suspensão de demarcações de terras indígenas”, realizada em 14 de junho de 2013, acrescentando-se ainda os tipos de ações realizadas e as organizações socais envolvidas. Excluindo-se essa mobilização nacional contra demarcações de TIs foram identificadas 18 ocorrências de manifestações públicas ao longo daquele ano. No tópico a seguir serão analisados os eventos apresentados no Quadro A (IS), destacando-se as principais questões que eles suscitam.

As mobilizações de rua contra regularização de TIs ao longo de 2013

As formas de manifestação pública

A partir do Quadro A (IS) é possível constatar que o principal tipo de mobilização a que os agropecuaristas e seus apoiadores recorreram foi o que se chamou genericamente neste trabalho de “protesto”, quando a ação permaneceu em um local considerado mais visível, estratégico ou simbólico pelos manifestantes para a realização da demonstração pública e não foi possível diferenciar de outras formas específicas de ação (passeatas, bloqueios de vias, carreatas e tratoraço). Foram nove ocorrências desse tipo ao longo do ano (50 %). Em seguida, o bloqueio de rodovias com tratores e máquinas agrícolas se destacou entre as ações, com quatro episódios (22 %). Esses bloqueios envolveram a interrupção do tráfego por horas ou foram intermitentes, com liberação da passagem por curtos períodos. Além disso, houve passeatas, distribuição de panfletos em rodovias e carreatas (quando foram utilizados automóveis para a demonstração pública). Em Sete Quedas (MS), ainda foi identificada a realização de um “tratoraço”, atividade envolvendo a utilização de tratores agrícolas para o deslocamento dos manifestantes, e que é um tipo de mobilização específica do patronato rural da agropecuária já analisada por Carneiro (2008) em mobilizações com outras pautas. Em alguns casos, ocorreu a combinação de mais de uma forma de manifestação.

Instalações da Funai e do Ministério da Justiça, principais órgãos responsáveis pela condução do estudo e regularização das TIs, foram alvo de protestos em cinco ocasiões em 2013. Os atos públicos na sede do Ministério da Justiça e na Esplanada dos Ministérios ocorreram associados a outras ações na capital federal, como participações em audiências públicas no Congresso Nacional e reuniões com autoridades. No caso da Funai, as manifestações aconteceram nas coordenações regionais de Campo Grande (MS) e Passo Fundo (RS), estados que concentram parte importante das mobilizações contra a regularização de TIs (a ser detalhado a seguir). Em Passo Fundo (RS) houve uma ação em julho e outra em novembro daquele ano, sendo que nos dois casos os protestos foram promovidos por agropecuaristas em litígio com processos de demarcação na região norte do Rio Grande do Sul e sindicalistas da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar da Região Sul (Fetraf-Sul). A Fetraf-Sul é uma entidade regional (correspondente ao três Estados do Sul do Brasil), criada em 2001, que se propõe a representar a categoria “agricultura familiar”. Como surgiram outras federações visando representar especificamente essa categoria, em 2005 foi criada a Federação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf-Brasil), que por sua vez se filiou à Central Única dos Trabalhadores (CUT), entidade sindical nacional que reúne diversas categorias de trabalhadores (Picolotto, 2018). Em 2016, a Fetraf-Brasil mudou seu nome para Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura Familiar (Contraf).

A sede da coordenação regional da Funai em Campo Grande (MS) foi alvo de protestos em 19 de novembro de 2013, quando manifestantes que fazem parte do Movimento de Agricultores Familiares Vítimas da Funai (MAFF) realizaram uma manifestação em frente ao prédio da Fundação e bloquearam uma das principais vias de acesso à capital. O MAFF é uma das organizações de agropecuaristas identificadas neste trabalho criada especificamente para fazer oposição ao reconhecimento de TIs, enfatizando ainda a condição de “vítimas” da ação da Funai. Somando-se aos manifestantes do MAFF também participaram agropecuaristas de Guaíra (PR), demonstrando colaboração entre diferentes regiões para oposição às demarcações. Os manifestantes pediam o cumprimento de reintegrações de posse em favor dos agropecuaristas, a paralisação de todos os processos de demarcação e a atuação do governo federal para pôr fim à “insegurança no campo” (“Pequenos...”, 2013). Como os processos de identificação e regularização de TIs são conduzidos pela sede da Funai, em Brasília, é possível entender que as coordenações regionais da Funai foram escolhidas como alvo do protesto mais por seu simbolismo do que pela possível efetividade em pressionar tomadores de decisão sobre a questão.

Eventos críticos

Foi possível identificar que diversas dessas mobilizações contra a regularização de TIs foram motivadas por acontecimentos precedentes que se revelaram como eventos críticos (Meyer & Staggenborg, 1996), associados tanto a ações do movimento indígena como a respostas do Estado favoráveis às demandas por terra dos povos indígenas. Os eventos críticos são entendidos na literatura de contramovimentos2 (Silva & Pereira, 2020) como acontecimentos, muitas vezes inesperados, considerados tão relevantes a ponto de serem impulsionadores da organização de ações coletivas, funcionando como uma espécie de gatilho. A identificação desses eventos contribui para evidenciar o caráter relacional do confronto político, explicitando uma sequência de acontecimentos associados a uma disputa. Meyer e Staggenborg (1996) consideram que esses eventos geralmente são críticos para ambas as partes envolvidas na contenda e esse parece ter sido o caso dos acontecimentos aqui em questão.

No âmbito das ações estatais relacionadas às TIs demonstraram ser eventos decisivos para o surgimento das manifestações a realização de levantamento fundiário pela Funai para a demarcação da TI Mato Castelhano (RS), o avanço de etapas do processo de regularização de TIs em Mato Grosso do Sul (como no caso da carreata realizada em Tacuru – MS) e a previsão de retirada de posseiros de TIs (caso de São João do Caru – MA) (Rauber, 2021). Meyer e Staggenborg (1996) apontam que opositores de movimentos sociais tendem a acreditar que o Estado garantirá seus interesses nessas disputas, ocorrendo situação de alarme ou acentuada percepção de ameaça quando a ação estatal frustra essa expectativa.

Ações do movimento indígena, em especial as ocupações de terras, também se apresentaram como cruciais para a disputa, sendo capazes de criar eventos críticos para chamar a atenção pública para a questão – e, como efeito indesejado, motivando mobilizações de opositores. A ação do Sindicato Rural de Sidrolândia (Sistema CNA), no Mato Grosso do Sul, que abre este trabalho foi realizada após o desfecho trágico da reintegração de posse da Fazenda Buriti, ocupada semanas antes pelos Terena, que buscavam acelerar a conclusão da regularização da TI.

Em Sananduva (RS), uma sequência de eventos levou à escalada da tensão naquela região. Em 8 de julho de 2013, os Kaingang ocuparam uma área com título de propriedade sobreposto à TI Passo Grande do Rio Forquilha, declarada de posse permanente dos Kaingang pelo Ministério da Justiça em abril de 2011 (Brasil, 2019). A resposta a essa ação veio em 11 de julho com uma mobilização na forma de carreata e protesto na praça central da cidade de agropecuaristas e aliados. Como no caso dos Terena, os Kaingang visavam, com essa ação, pressionar pela homologação da TI pela Presidência da República e a conclusão de sua regularização. Em 15 de julho, houve até mesmo lutas corporais após agropecuaristas bloquearem os acessos da área em questão ocupada pelos indígenas. O confronto resultou em quatro pessoas feridas (três agricultores e um indígena), que necessitaram ser hospitalizados (“Conflito...”, 2013). Em resposta a esse conflito, em 16 de julho, agropecuaristas e apoiadores promoveram uma nova mobilização na praça central da cidade.

Uma terceira situação foi constatada em Vicente Dutra (RS), onde uma briga entre indígenas e um segurança de um balneário privado dentro da área da TI Rio dos Índios foi o pretexto para a realização de uma audiência pública e uma passeata contra a regularização dessa TI. Nesse caso, os opositores do movimento indígena tiveram sucesso na amplificação desse episódio, transformando-o em um acontecimento político relevante e o utilizando para incitar ações coletivas. O caso de Vicente Dutra (RS) se assemelha aos casos de Sidrolândia (MS) e Sananduva (RS) ao terem em comum o fato de que as três TIs aguardam homologação pela Presidência da República, com destaque para a TI Rio dos Índios, pois os Kaingang esperam por sua homologação desde 2004, e de Buriti (MS), que teve seu estudo iniciado em 1999.

Essas situações chamam a atenção para o fato de o Estado estar aberto às demandas do movimento indígena, mas ser incapaz de resolver o conflito de forma decisiva, prolongando indefinidamente as disputas e possibilitando processos organizativos de movimentos de oposição – situação semelhante a outras identificadas por Meyer e Staggenborg (1996) no contexto da atuação de movimentos sociais e seus opositores. No âmbito das reflexões desses autores, a cronologia dessas mobilizações de agropecuaristas e o fato de serem ações de oposição às demandas de um movimento social (o movimento indígena) permitem caracterizarmos essas ações como contramobilizações.

Organizações sociais envolvidas

Uma das principais questões identificadas a partir da análise das mobilizações de rua contra a regularização de TIs foi a importância das organizações sindicais rurais para essas iniciativas, pois estiveram engajadas em 12 das 18 ocorrências identificadas (67 %). No entanto, é necessário destacar que sistemas de organização sindical diferentes estiveram envolvidos, com predomínio das entidades sindicais ligadas à agricultura familiar, presentes em sete das 18 ocorrências de manifestações públicas (39 %). A já mencionada Fetraf-Sul teve atuação importante no segundo semestre de 2013, quando ocorreram seis das sete manifestações promovidas pela entidade e/ou seus sindicatos filiados. Em 6 de novembro de 2013 essa entidade também promoveu uma mobilização conjunta em diferentes locais, com manifestações de rua realizadas em Santa Catarina, dois locais no Rio Grande do Sul e em Brasília (DF) (ver Quadro A – IS). Vale observar que um Sindicato dos Trabalhadores Rurais pertencente ao Sistema da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), entidade sindical nacional fundada em 1964 para representar o segmento de trabalhadores rurais, apoiou uma mobilização que aconteceu em Vicente Dutra (RS), que foi de iniciativa de deputados da FPA do Congresso Nacional.

Conforme Picolotto (2018), na região Sul do Brasil, a base social da então chamada Fetraf-Brasil é composta principalmente de agricultura familiar colona, ou seja, por famílias proprietárias de terras que são descendentes de imigrantes de origem europeia e já relativamente consolidados, contexto diferente de outros estados, nos quais a base da entidade é composta, por exemplo, de assentados de reforma agrária e agricultores familiares menos capitalizados. Os conflitos relacionados à tomada dos territórios Kaingang na região Sul ao longo dos séculos XIX e XX foram analisados em trabalhos como de Francisco (2006; 2013), podendo-se compreender esses litígios atuais como uma continuidade e consequência desses processos anteriores, aproximando-se de uma reedição dos conflitos “colonos-índios”.

Sindicatos e federações estaduais pertencentes ao sistema da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) estiveram envolvidos em quatro mobilizações contra demarcações de TIs ao longo de 2013 (22 % das ocorrências), não protagonizando ações no segundo semestre desse ano. Como veremos a seguir, as entidades sindicais do Sistema CNA tiveram mais destaque na mobilização nacional de iniciativa da FPA.

Também foram identificadas colaborações entre agropecuaristas de diferentes regiões. Como vimos, agropecuaristas da região de Guaíra (PR) estiveram presentes na manifestação realizada na sede da Funai em Campo Grande (MS). O tratoraço organizado em Sete Quedas (MS) e a carreata promovida em Tacuru (MS) também contaram com a participação de agropecuaristas de Guaíra (PR), sendo o elo nesses casos estabelecido por meio dos sindicatos rurais desses municípios (Sistema CNA). A TI Tekohá Guasu Guavirá (povo Avá-Guarani), localizada nos municípios de Guaíra e Terra Roxa (PR) estava em estudo desde 2009 (Brasil, 2019), sendo um dos principais motivos dessa mobilização. Vale observar ainda que foi constatada a colaboração de empresários urbanos, como da Associação Comercial e Empresarial de Sete Quedas (ACISQ), que representa o segmento empresarial daquele município (Nascimento, 2013).

Outro fenômeno identificado nas ações contra a demarcação de TIs foi a ocorrência de auto-organização de agropecuaristas em litígio pela posse dessas áreas. Esse foi o caso do já citado Maff, de Mato Grosso do Sul, e da Associação dos Produtores de Mato Castelhano, no Rio Grande do Sul (ver Quadro A – IS). Na mobilização nacional ocorrida em junho de 2013 – a ser aprofundada no próximo tópico – também foi possível verificar o envolvimento dessas organizações, sendo pelo menos três delas formadas especialmente para fazer oposição ao reconhecimento de determinadas TIs, como a Organização Nacional de Garantia ao Direito de Propriedade (ONGDIP), com sede em Guaíra (PR), a Associação de Proprietários Rurais do Vale do Rio Pará (MG), e a Comissão de Agricultores em Abelardo Luz (SC). Foi identificada ainda a atuação de associações de produtores em Pontão (RS), em Getúlio Vargas (RS) e, novamente, de Mato Castelhano (RS) (ver Quadro B – IS). Em Rauber (2021) foi demonstrado que tais organizações participaram de diversas audiências públicas sobre regularização de TIs promovidas no âmbito do Congresso Nacional.

A ocorrência desses processos de auto-organização revela a busca por uma atuação política para além das entidades sindicais, chegando ao ponto de formalizarem organizações e uma identidade. Isso ocorre a partir da identificação de uma condição em comum, levando esses indivíduos a se mobilizarem com um objetivo coletivo: defender de ameaças recursos que consideram legitimamente seu (a terra), colocados em questão por “ataques externos” – da Funai, do governo, dos indígenas, que desempenham função de inimigos. É importante considerar ainda que a criação de entidades também possibilita representações na Justiça e em audiências públicas sobre a questão das TIs.

O envolvimento de autoridades locais

A análise das circunstâncias em que ocorreram as mobilizações revelou expressivo envolvimento de autoridades do poder público municipal nessas ações contra o reconhecimento de TIs. Já vimos como exemplo o caso do conflito de Sananduva (RS), em que o prefeito Antonio Roberto Caldato (“Beto Caldato”, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB) determinou a paralisação das atividades administrativas para a mobilização de 11 de julho de 2013 contra a regularização da TI Passo Grande do Rio Forquilha (Kaingang). Naquele contexto, entidades regionais de representação de prefeitos e vereadores ainda lançaram um manifesto conjunto contra a demanda por terra dos Kaingang (AMUNOR, AVENOR, 2013).

Em Sete Quedas (MS), o prefeito José Gomes Goulart (PMDB) manifestou-se contra o reconhecimento das TIs reivindicadas pelos Guarani e Guarani Ñandeva na região. Goulart afirmou que estava do lado dos produtores e iria atuar para barrar as demarcações: “Nós, políticos, cidadãos e produtores rurais, não somos contra os índios. Somos contra a forma que a Funai vem conduzindo esse processo de demarcação” (Nascimento, 2013). Vereadores da Câmara Municipal de Sete Quedas (MS) também estiveram presentes na mobilização e declararam que o Legislativo municipal estava do lado dos agropecuaristas e que iria buscar todos os meios possíveis para barrar as “ameaças” de demarcações de TI (Nascimento, 2013).

Já no município de Vicente Dutra (RS), na audiência pública e passeata contra a regularização da TI Rio dos Índios (Kaingang), o prefeito local João Paulo Pastório (PMDB) foi o anfitrião da atividade. Na audiência, além de se opor à demarcação dessa TI, em virtude da perda que causaria a agricultores, Pastório declarou que desde o início do processo de reconhecimento da terra indígena a população indígena do município havia crescido “assustadoramente” pela chegada de mais moradores, assinalando a presença de indígenas como um aspecto negativo. Essa atividade ainda mobilizou diversas lideranças políticas locais e regionais, como o presidente da Câmara de Vereadores de Vicente Dutra, prefeitos de municípios vizinhos, como Frederico Westphalen (RS) e Taquaruçu do Sul (RS), além de Zílio Roggia (PMDB), prefeito de Caiçara (RS) e presidente da Associação dos Municípios da Zona da Produção (Amzop), representando os prefeitos da região. Roggia declarou que os 42 municípios da região estavam à disposição para o que fosse preciso para dar apoio na luta contra as demarcações de TIs, pois essa não seria uma causa apenas do município de Vicente Dutra.3

Na audiência pública e protesto realizados em São João do Caru (MA), em 20 de dezembro de 2013, contra a retirada de posseiros da TI Awá-Guajá (Guajá), também houve envolvimento de autoridades locais. Esse caso exemplifica ainda a situação de uma TI regularizada que não está em condição de usufruto exclusivo pela população indígena local e que é contestada por lideranças políticas regionais. Naquele evento estiveram presentes vereadores, lideranças sindicais, o deputado federal Weverton Rocha (Partido Democrático Trabalhista – PDT/MA) e o deputado estadual Carlinhos Amorim (PDT/MA). O vice-prefeito de Igarapé Grande (MA), Erlânio Xavier, afirmou que somente a mobilização permanente poderia impedir a expulsão dos posseiros da TI: “Estamos apoiando a justa reivindicação deles, seja aqui ou em Brasília” (Maciel, 2013).

Esse conjunto de episódios ilustra um contexto de poder público local fortemente desfavorável ao pleito por terra de povo indígenas. Tamanho ambiente político adverso (e até mesmo hostil), com a união de forças e a atuação em várias frentes (política, judicial e até mesmo lutas corporais) nos traz à mente a imagem de um cerco político em diversos locais, como se fossem populações indesejadas.

Essas situações também ilustram a questão levantada por Carneiro da Cunha (2018) a respeito das motivações dos temas relacionados a povos originários serem abordados na esfera federal. Segundo a autora, o direito territorial indígena é tratado na Constituição nesse âmbito de poder justamente devido ao contexto local desfavorável, pois: “Sabia-se e sabe-se que o poder local é sempre contrário aos direitos territoriais dos índios, e foi sábia, essencial de fato, a atribuição de sua jurisdição ao governo federal” (Carneiro da Cunha, 2018, p. 433). As diversas situações constatadas neste trabalho reforçam essa questão trazida pela autora.

O envolvimento de parlamentares federais

Das 18 atividades identificadas, verificou-se que seis delas (33 %) contaram com a presença de parlamentares federais, e três dessas mobilizações aconteceram diretamente associadas a audiências públicas da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR), comissão permanente da Câmara dos Deputados (ver Quadro A – IS). A CAPADR é uma das maiores comissões da Câmara e é reconhecida na literatura como de domínio de parlamentares ruralistas (Vigna, 2001; Bruno, 2009). Nessas atividades que ocorreram ao longo de 2013 estiveram presentes cinco deputados federais, sendo dois do PMDB, dois do Partido Progressista (PP) e um deputado do PDT (ver Quadro C nas informações suplementares).

Em 8 de maio de 2013, por exemplo, houve protesto e mobilização para acompanhamento da audiência pública com Gleisi Hoffmann, então ministra-chefe da Casa Civil, convocada a comparecer à CAPADR (ver Quadro A). A convocação de ministros ou titulares de instituições diretamente ligadas à Presidência da República é uma prerrogativa das comissões permanentes do Congresso Nacional. Na ocasião da manifestação, tendas de lona foram instaladas na Esplanada dos Ministérios, em Brasília (DF), para as atividades dos agropecuaristas (“Índios...”, 2013). A Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep – Sistema CNA) informou que participaram cerca de 470 agropecuaristas do Paraná, 450 do Mato Grosso do Sul, 460 do Mato Grosso e aproximadamente 120 da Bahia. A ação também contou com uma comitiva do Mato Grosso do Sul organizada pela Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso do Sul (Famasul – Sistema CNA) (Famasul, 2014), e ainda estiveram presentes agricultores do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Minas Gerais – seria um total próximo de 2 mil participantes da mobilização (“Produtores chegam à Câmara...”, 2013). Essa atividade exemplifica como a FPA e as organizações patronais da agropecuária passaram a atuar de forma conjunta na pauta: a frente parlamentar convocou a ministra e as organizações mobilizaram suas bases para pressionar o governo.

A audiência pública da CAPADR realizada em 11 de dezembro também propiciou uma mobilização de rua em Brasília (DF), que contou com a participação de diversas entidades, sendo um dos eventos marcantes sobre o tema naquele ano. Na reunião estavam presentes grupos de agropecuaristas em litígio com TIs dos estados de Tocantins, Bahia, Mato Grosso, Paraná, Maranhão e Rio Grande do Sul, além de dirigentes de organizações patronais e da agricultura familiar. Entre as entidades patronais, discursaram a presidente da CNA, Kátia Abreu, e representantes de quatro federações estaduais de agricultura e pecuária do Sistema CNA (de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná e Rio Grande do Sul), bem como da Associação dos Criadores de Mato Grosso do Sul (Acrissul), representando pecuaristas daquele Estado. Dirigentes da Fetag-RS (Sistema Contag) e Fetraf-Sul (Sistema Fetraf-Brasil/CUT) – entidades ligadas a trabalhadores rurais e à agricultura familiar – também falaram ao público. Nesse contexto, o deputado Luis Carlos Heinze (PP/RS), presidente da FPA, ressaltou a importância da união de diferentes segmentos sociais na pauta:

estão presentes um representante da Fetag e um representante da Fetraf. Então, nós conseguimos reunir a Fetraf, a Fetag, a Farsul [Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul], prefeitos, vereadores, deputados estaduais e deputados federais. É a união de todos em torno do mesmo objetivo. (...) Está aqui o Rui Valença, da Fetraf/Sul, para mostrar a vocês – Fetraf, Fetag, Farsul – que no Rio Grande do Sul nós conseguimos juntar todas as forças, deputados estaduais e federais de vários partidos, prefeitos, inclusive estão aqui o de Pontão [RS], o de Marau [RS] e estava o prefeito de Mato Castelhano [RS] também (Brasil, 2013a).

Nesse trecho do discurso, Heinze se refere principalmente à união, no Rio Grande do Sul, de entidades ligadas aos trabalhadores rurais e à agricultura familiar (Fetag-RS e Fetraf-Sul) com a Farsul (Sistema CNA), entidade vinculada aos segmentos patronais da agropecuária. Na verdade, afirmações de unidade como essa não eram novidade. Costa (2019) já havia identificado a construção pela Farsul de uma retórica de conciliação, de busca por diálogo e afinamento político com entidades de representação de trabalhadores rurais e da agricultura familiar do RS. O autor também aponta que, no caso dessa federação, sua direção tem buscado cada vez mais o afastamento de uma imagem ligada ao latifúndio, procurando construir a ideia de que diversas categorias de agricultores podem ser representadas por ela, independentemente de seu tamanho (pequenos, médios ou grandes produtores e proprietários rurais). Para Bruno (2016) esse processo se trata de aproximar e subordinar determinadas frações da agricultura familiar ao projeto político patronal para o campo, apagando ou naturalizando desigualdades sociais, a fim de legitimar regras de inclusão e exclusão que fazem parte dessa relação. Isso parece se expressar no antagonismo às demarcações de TIs, tendo em vista que a pauta no Congresso Nacional é protagonizada pela bancada ruralista, grupo parlamentar historicamente contrário a demandas fundamentais das entidades de trabalhadores rurais e da agricultura familiar, como é o caso da reforma agrária e de avanços na legislação trabalhista para essas categorias.

Após essa audiência, os participantes se concentraram em frente ao Palácio da Justiça, sede do Ministério da Justiça, para reivindicar mudanças na política de regularização de TIs. Conforme o portal Notícias Agrícolas, entre as reivindicações estavam a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n° 215/2000, que propõe transferir a responsabilidade de homologação de TIs para o Congresso Nacional, e a Portaria n° 303/2012, da Advocacia-Geral da União (AGU), que estendia a toda administração federal as 19 condicionantes definidas pelo Supremo Tribunal Federal no caso da homologação da TI Raposa Serra do Sol, de Roraima, mas foi suspensa pelo governo federal após críticas do movimento indígena e da própria Funai (“Produtores se mobilizam...”, 2013).

A seguir, vejamos o contexto da organização da mobilização nacional realizada contra a demarcação de TIs, protagonizada pela FPA e entidades patronais.

Mobilização nacional pela revisão e suspensão de demarcações de Tis

Buscando ampliar e dar visibilidade ao movimento de contestação ao reconhecimento de TIs, a direção da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) recorreu à promoção de mobilizações de rua em parceria com outras organizações. Em 14 de junho de 2013, os parlamentares da Frente estiveram envolvidos, particularmente, na “Mobilização nacional pela revisão e suspensão de demarcações de terras indígenas”, que contou com mobilizações contra regularização de TIs em cerca de dez estados brasileiros. As pautas da mobilização nacional foram a suspensão dos processos de demarcação de TIs, a aprovação da PEC n. 215/2000 e a reedição da Portaria n°303/2012 da AGU pelo governo federal. Segundo Bächtold (2013), o presidente da Frente, o deputado Luis Carlos Heinze (PP/RS), enviou cartas a representantes políticos e entidades na semana anterior, convidando a bloquear rodovias. Veremos, a seguir, quais organizações responderam ao chamado da FPA.

No contexto dessa mobilização, para aumentar o tensionamento com o governo de Dilma Rousseff (Partido dos Trabalhadores – PT) em relação ao tema, os deputados da FPA recorreram novamente ao instrumento de convocação de ministros e, em 12 de junho, conquistaram a aprovação da convocação de Gilberto Carvalho, ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, na CAPADR. Como vimos, a ministra Gleisi Hoffmann já havia comparecido por convocação na CAPADR no mês anterior para tratar da questão das TIs e ambos ocupavam cargos centrais da estrutura ministerial. Cabe observar ainda que, em maio daquele ano, deputados da FPA também protocolaram um pedido para instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a atuação da Funai e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) (Requerimento de CPI n° 22/2013). Portanto, no primeiro semestre de 2013 os parlamentares da FPA vinham buscando impor a pauta das TIs na agenda do governo Rousseff por meio de diversos instrumentos legislativos.

Durante a semana de 14 de junho, o Canal Rural contribuiu com a divulgação dos locais onde as mobilizações estavam previstas e entrevistou parlamentares e diversas lideranças de grupos de agropecuaristas em litígio com TIs. O apoio e o envolvimento de um canal de TV exemplificam uma situação de ativismo midiático (Orsi, 2017) e demonstram um importante recurso de poder (nesse caso, controlado por uma holding ligada ao setor agroindustrial) que estava à disposição dos manifestantes, conferindo, inclusive, características de mobilização de elite para essa ação. Além da cobertura e da visibilidade conferidas às demais ações em 2013, esse canal se posicionou como aliado importante dos agropecuaristas (e opositor do movimento indígena) na disputa política em torno da regularização de TIs.

Na véspera do evento, a FPA também divulgou uma lista com os locais em que estavam previstos os atos e os contatos dos organizadores, demonstrando acompanhamento dos preparativos em diferentes regiões do país (Agricultores..., 2013). No dia 14 de junho de 2013 foram identificadas 22 manifestações em pelo menos dez estados brasileiros: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Mato Grosso, Bahia, Maranhão, Pará e Roraima (ver Quadro B – IS). O número de pessoas participantes em cada mobilização variou de alguns milhares – como em Amarante (MA), Nova Alvorada do Sul (MS) e Guaíra (PR) – a algumas centenas, como em Martinho Campos (MG) e Itamaraju (BA), segundo os veículos de imprensa utilizados como referência neste estudo. De modo geral, envolveram-se sindicatos rurais, cooperativas agropecuárias, prefeitos e integrantes do Legislativo de todas as esferas. Como também pode ser constatado no Quadro B (IS), na maior parte dos locais houve bloqueio de rodovias (intermitente, mas com casos de bloqueio total do trânsito por algumas horas), conforme havia orientado a FPA, ocorrendo ainda passeatas e distribuição de panfletos.

Os dados do Quadro B (IS) confirmam a importância das entidades sindicais para as atividades da mobilização nacional, pois essas organizações estiveram presentes em pelo menos dez manifestações das 22 realizadas (45 %). Em alguns locais, as entidades sindicais não foram necessariamente as organizadoras dos atos públicos, mas deram suporte às mobilizações dos agropecuaristas em litígio com TIs, como foi o caso de Guaíra (PR), Laranjeiras do Sul (PR) e Getúlio Vargas (RS).

A principal resposta ao chamado da FPA veio das entidades do Sistema CNA, que foram confirmadas em oito locais. Vale destacar que as federações de agricultura e pecuária do Sistema CNA também tiveram um papel importante nos preparativos para a realização dessa mobilização. A Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso (Famato), por exemplo, divulgou circular sobre a mobilização aos presidentes dos sindicatos rurais do Estado de Mato Grosso, anunciando custeio de transporte, o que demonstra a relevância que a pauta das demarcações de TIs tomou para a direção da entidade (“Famato...”, 2013). Tanto a Famato como a Famasul utilizaram o lema “Onde tem justiça, tem espaço para todos” para a divulgação da atividade, e a Famasul ainda investiu na produção e divulgação de um vídeo de 30 segundos para a mobilização (Famasul, 2013).

A presença de entidades sindicais ligadas à agricultura familiar e aos trabalhadores rurais (Contag e Fetraf-Brasil) foi verificada em apenas dois locais: Cunhã Porã (SC) e Sananduva (RS). Em Santa Catarina, a direção da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais do Estado de Santa Catarina (Fetaesc – Sistema Contag) apoiou essas ações (Faepa, 2013) e no Rio Grande do Sul, segundo Jardine (2013) a direção da Fetag-RS (Sistema Contag) não participou da organização das atividades, mas declarou que seria representada nos atos. Isso demonstra menor engajamento dessas organizações do segmento da agricultura familiar e dá indícios de vínculos menos consistentes com a FPA. Por outro lado, também revela que essa mobilização não se restringiu aos segmentos patronais da agropecuária.

Vale observar ainda que em Santa Catarina outros agentes foram identificados. Em um dos materiais de divulgação, constavam a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Santa Catarina (Faesc/Sistema CNA), a Organização das Cooperativas do Estado de Santa Catarina (Ocesc, ligada à Organização das Cooperativas Brasileiras) e a Cooperativa Central Aurora Alimentos (Aurora). A Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc), vinculada à Confederação Nacional da Indústria, somou-se às entidades do setor agropecuário e apoiou a mobilização contra regularização de TIs (Faepa, 2013), demonstrando a ocorrência de cooperação intersetorial dessas ações no Estado.

As manifestações promovidas naquele dia contaram com a presença de nove parlamentares federais em diversos locais (ver Quadro D – IS), com predomínio de deputados do PP (três parlamentares). Destaca-se a presença do deputado federal Paulo César Quartiero (Democratas – DEM/RR) nos atos em Roraima, que havia perdido duas fazendas com a homologação da TI Raposa Serra do Sol (Oliveira, 2010), e do deputado Osmar Serraglio (PMDB/PR) em Guaíra (PR), que havia sido relator da PEC n° 215/2000 na Comissão de Constituição, Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputado e, em dezembro de 2013, passaria a ser relator da Comissão Especial dessa proposta, que teve a função de analisar o mérito da proposição. A senadora Kátia Abreu (Partido Social Democrático – PSD/TO), então presidente da CNA, participou do ato público realizado em Nova Alvorada do Sul (MS).

Na semana seguinte a essa mobilização, o deputado Luis Carlos Heinze (PP/RS) discursou no plenário da Câmara dos Deputados pelo tempo de liderança de seu partido e relatou que circulou por cinco das seis manifestações realizadas no Rio Grande do Sul. Heinze também comunicou que foram 25 locais com manifestações, tendo sido possível confirmar 22 deles no levantamento desta pesquisa (Brasil, 2013b).

Regularização de terras indígenas: uma questão regional?

Como é possível observar a partir da Figura 1, a distribuição das mobilizações contra a demarcação de TIs em 2013 esteve concentrada nas regiões Centro-Oeste e Sul do Brasil, especialmente nos estados de Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Somadas as atividades da mobilização nacional com as demais identificadas em 2013, foram constatadas pelo menos 40 ocorrências de manifestações de rua contra o reconhecimento de TIs. Também é possível constatar na Figura 1 que a mobilização nacional foi uma oportunidade importante para grupos sociais se mobilizarem fora da região Centro-Sul, apresentando maior diversidade regional de eventos e que, com as demais atividades de 2013, apresenta um quadro mais amplo dos conflitos fundiários relacionados às TIs.

Na Figura 2 é apresentado o recorte em escala maior as mobilizações que ocorreram na Região Sul e em Mato Grosso do Sul. Cabe observar que Famato (MT) e Famasul (MS) optaram por concentrar a mobilização nacional em apenas um local em cada Estado, escolhendo pontos de grande circulação de veículos, ao contrário das mobilizações distribuídas pelos territórios dos estados do Sul.

Figura 1
Distribuição no território nacional das mobilizações de rua contra a regularização de terras indígenas realizadas ao longo do ano de 2013
Distribuição no território nacional das mobilizações de rua contra a regularização de terras indígenas realizadas ao longo do ano de 2013
Fonte: elaborada pelo autor.

Figura 2
Mobilizações de rua contra terras indígenas realizadas ao longo de 2013 nos estados de Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul
Mobilizações de rua contra terras indígenas realizadas ao longo de 2013 nos estados de Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul
Fonte: elaborada pelo autor.

A partir da análise da Figura 2 é possível constatar que as mobilizações ocorreram principalmente no norte do Rio Grande do Sul, oeste de Santa Catarina e Paraná, e na região sul de Mato Grosso do Sul. O destaque para as mobilizações de 14 de junho foi para os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. No primeiro, houve paralisação do tráfego em cerca de cinco rodovias e panfletagem em um sexto local e, no segundo, houve seis mobilizações. Vale observar que a manifestação realizada em Maquiné (RS) foi contra a titulação de um território quilombola e contou com a participação do deputado federal Alceu Moreira (PMDB/RS), demonstrando associação com os dois temas, como já apontado por Pereira (2018). Somando-se as manifestações de 14 de junho de 2013 com as demais ao longo do ano, os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul lideraram a quantidade de atividades, sendo, no total, 15 ocorrências no Rio Grande do Sul e sete em Santa Catarina. Adicionando o Estado do Paraná, que teve duas mobilizações em 14 de junho, os três estados da Região Sul do Brasil contabilizam 24 mobilizações de rua (ou 61 % do total), fazendo dessas ações de 2013 um fenômeno de forte característica sulista.

Outra constatação possível a partir da análise da Figura 2 é a coincidência de atos da mobilização nacional e outros atos ao longo de 2013 nos municípios de Arvoredo (SC), Mato Castelhano (RS) e Sananduva (RS). Este último, inclusive, foi o município com maior quantidade de mobilizações no ano: além do ato público realizado no contexto da mobilização nacional, Sananduva contou com outras quatro manifestações de rua contra a homologação da TI no município, com atos durante o primeiro e segundo semestre do ano. Sananduva (RS) também foi o único município que fez parte da mobilização nacional em que foi confirmado envolvimento de entidades tanto do segmento patronal como da agricultura familiar. Somando a ocorrência de lutas corporais entre indígenas e agropecuaristas relatadas anteriormente, isso indica que o local foi um dos importantes pontos de conflito fundiário do país em 2013.

É importante acrescentar que diversas atividades foram mobilizações regionais, envolvendo agropecuaristas de diversos municípios, como foi o caso das atividades de Tacuru (MS), Vicente Dutra (RS), Passo Fundo (RS), Guaíra (PR), Mato Castelhano, São João do Caru (MA), Amarante (MA), Laranjeiras do Sul (PR), Cuiabá (MT) e Nova Alvorada do Sul (MS). Isso indica a formação de uma rede de comunicação e colaboração entre os diversos locais com processos de regularização de TIs em curso, com as mobilizações se conformando ainda como ponto de encontro e convivência entre diferentes grupos contrários às TIs.

Os dados a respeito dos processos de reconhecimento de TIs reforçam os indícios da existência de uma questão regional. Das 74 terras indígenas que aguardavam homologação pela Presidência da República em janeiro de 2019 (ou seja, que já tinham obtido a expedição da portaria declaratória pelo Ministério da Justiça), 35 áreas (47 %) estavam presentes em estados das regiões Centro-Oeste e Sul, especificamente Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Santa Catarina e Rio Grande do Sul (Brasil, 2019).

Para além das questões envolvendo a colonização e a história agrária, é possível nos atentarmos para a política indigenista conduzida nas últimas décadas nessas regiões. O Estatuto do Índio (Lei n° 6.001/1973) já havia estabelecido o reconhecimento da posse das TIs: “Considera-se posse do índio ou silvícola a ocupação efetiva da terra que, de acordo com os usos, costumes e tradições tribais, detém e onde habita ou exerce atividade indispensável à sua subsistência ou economicamente útil” (art. 23) (Brasil, 1973). No entanto, nos primeiros anos em que as TIs passaram a ser administrativamente demarcadas, tal determinação do Estatuto não foi apropriadamente observada e as áreas estabelecidas se limitaram aos domínios dos antigos postos indígenas do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), órgão precursor da Funai. Por isso, na primeira década de vigência da lei, as regiões com maior proporção de áreas demarcadas estavam nas regiões Sul e Sudeste, principalmente nas áreas onde as frentes de expansão da colonização já haviam atuado e a posse indígena havia sido atomizada e incorporada ao mercado de terras (Oliveira Filho, 1983). Em contrapartida, até 1981, poucas áreas estavam identificadas nos estados da Amazônia Legal (Oliveira Filho, 1983). Em virtude da extensão reduzida dessas áreas, Oliveira Filho (1983) considera que

as áreas estabelecidas pelo SPI são muito menos uma reserva territorial do que uma reserva de mão de obra, passando a ser uma característica dessas regiões formas temporárias de trabalho assalariado (a “changa”, o “trabalho volante” etc.) pelas quais o índio tenta reassegurar sua reprodução econômica, inviável se limitada apenas à condição de produtor agrícola (Oliveira Filho, 1983, p. 19, grifos do original).

Tanto Linhares (1998) como Martins (1985; 1986) também expõem a transformação indevida (para não dizer ilegal) de áreas de posse indígena em extensas áreas de propriedade privada ainda nas décadas de 1970 e 1980, com diversos exemplos na Região Centro-Oeste. O não reconhecimento de presença indígena pelo Incra e a consequente categorização de extensas áreas como “devolutas”, somados à omissão da Funai em proceder com a discriminação das TIs, levaram a perdas territoriais para diversos povos indígenas naquele período (Linhares, 1998). Nesse contexto, a constitucionalização do dever do Estado brasileiro de reconhecer e regularizar TIs em 1988 impulsionou reivindicações de devolução de diversos territórios nas duas décadas seguintes, inclusive de áreas das quais foram retirados, mas permaneceram em regiões próximas.

Vale ainda considerar que essas manifestações contra demarcação de TIs se inserem em um contexto de crescimento nas mobilizações de rua no Brasil, que ocorria pelo menos desde 2011. Tatagiba e Galvão (2019) identificaram que 2012 já apresentava um cenário ascendente de protestos no país, registrando aumento de 140 % nessas atividades em relação ao ano anterior. Conjunturas de mobilizações sociais tendem a fomentar mais mobilizações sociais, pois “Um movimento de protesto inspira outros, seja revelando fragilidades do Estado (...) ou mediante o estímulo e a empolgação morais” (Jasper, 2016, p. 7-8). Meyer e Staggenborg (1996) também apontam que o crescimento das mobilizações é alimentado pelo próprio contexto político de aumento de protestos:

É provável que a crença na eficácia da ação direta seja mais forte no auge de um ciclo de protesto, quando muitos grupos estão se engajando em ação direta e parece que as mudanças sociais estão ocorrendo como resultado. Ao mesmo tempo, é provável que os ativistas se envolvam em ações diretas em momentos em que não há progresso por meios institucionais, mas o apoio da elite é forte o suficiente para sugerir que o protesto pode funcionar (Meyer & Staggenborg, 1996, p. 1650, tradução nossa).

Assim, diante dos eventos críticos com que se depararam, agropecuaristas de diversas regiões do Brasil viram como uma possível saída para os conflitos a pressão política a partir da realização de mobilizações de rua. Como observamos, essas ações contavam ainda com o apoio de lideranças políticas regionais, parlamentares federais, sindicatos, entidades empresariais urbanas e da imprensa especializada em agronegócio, em um conjunto amplo de alianças que fortalecia a percepção de que tais atos poderiam trazer resultados.

Considerações finais

Como vimos ao longo deste trabalho, 2013 parece ter sido tão emblemático no contexto das grandes mobilizações urbanas quanto em relação aos conflitos relacionados à regularização de TIs. Foi possível constatar que o movimento de contestação das TIs aproveitou a estrutura de organizações sociais já existentes, principalmente das entidades patronais da agropecuária ligadas ao Sistema CNA e, no segmento dos trabalhadores rurais e da agricultura familiar, das entidades do Sistema Fetraf-Brasil. Assim, os sindicatos e suas federações demonstraram ser elos importantes (ou mesmo catalisadores) das mobilizações de rua, fortalecendo os grupos locais e regionais em litígio com TIs. O envolvimento das organizações patronais e de trabalhadores rurais também revela a heterogeneidade dos grupos sociais engajados nessas ações contra o reconhecimento das TIs.

Ao questionarem a propriedade privada da terra, os povos indígenas mobilizaram os grupos dominantes do campo brasileiro, que têm como espaço ideológico comum a defesa do monopólio da terra e a concepção de propriedade da terra absoluta (Bruno, 2017). A pauta tem potencial histórico de agregar pecuaristas, produtores de grãos, empresários agroindustriais e banqueiros proprietários de terra (Bruno, 2017). Mas o empenho de organizações da agricultura familiar contra as TIs ainda traz à tona a dimensão colonial desse conflito e as próprias raízes coloniais da propriedade privada da terra, questão já explorada com profundidade por Bhandar (2018).

A análise das mobilizações de rua permitiu expor parte das relações estabelecidas para fazer oposição à destinação de terras para o usufruto de povos indígenas em diversos locais com conflitos fundiários no país. É importante ressaltar que esse trabalho não abordou questões relativas aos processos decisivos dessas ações, a atuação de suas lideranças e as dinâmicas de organização interna, principalmente devido ao tipo de dado utilizado neste trabalho (as notícias), que possui diversas limitações quanto às informações apresentadas. Por outro lado, a identificação da ocorrência desses eventos traz à tona o contexto adverso da regularização de TIs, principalmente desde o início da década de 2010. Por meio da pressão política sobre o governo Rousseff nas ruas e no parlamento, esse conjunto de ações foi capaz de produzir constrangimentos ao governo federal e impor a pauta da regularização das TIs na agenda do governo. Ainda que, desde 2013, não tenham acontecido mudanças nos marcos legais que regem as demarcações de TIs, essas ações contribuíram para reduzir o ritmo das regularizações: nenhuma homologação de TI ocorreu em 2014 e apenas 11 áreas foram homologadas desde então – sendo que nenhuma delas era relacionada aos conflitos identificados neste trabalho, com esses litígios permanecendo sem resolução (Brasil, 2019).

A questão indígena permanece relevante no cenário político brasileiro. Em 2021, nas manifestações das partes interessadas no julgamento em curso no Supremo Tribunal Federal (STF) do “marco temporal” para as demarcações (Recurso Extraordinário n. 1017365) reapareceram diversas organizações identificadas neste trabalho, demonstrando sua persistência no engajamento nessa pauta. Essa tese jurídica em debate foi concebida no âmbito de entidades patronais rurais e considera que só devem ser demarcadas as TIs que se encontravam em posse de indígenas na data de promulgação da Constituição, 5 de outubro de 1988, impondo um limite temporal para o reconhecimento de TIs. Ingressaram como parte interessada nesse julgamento diversos sindicatos rurais e federações estaduais do Sistema CNA e a própria CNA, além de dois sindicatos de trabalhadores rurais e cinco associações de produtores rurais (Brasil, 2022). Reforçando a questão do poder local identificada neste trabalho, os municípios de Cunhã Porã (SC) e Saudades (SC) também ingressaram como parte interessada nesse julgamento para defender o marco temporal.

Por fim, cabe ressaltar que o país passou por governos notadamente desfavoráveis aos direitos territoriais indígenas, como foi como o caso de Michel Temer (PMDB) (Assirati & Moreira, 2019) e, em especial, de Jair Bolsonaro (Partido Liberal) (Santos et al., 2021). Uma década após a ocorrência dos eventos aqui identificados, a resolução das disputas fundiárias envolvendo a regularização das TIs se coloca como um grande desafio para o terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), pois, após tantos anos de protelamento e negligência, dezenas de TIs aguardam homologação presidencial.

Informações suplementares

Quadro A
Mobilizações de rua contra demarcação de terras indígenas em 2013
Mobilizações de rua contra demarcação de terras indígenas em 2013



Fonte: elaborada a partir de Rauber (2021, pp. 337 e 338).

Quadro B
Manifestações de rua da “Mobilização nacional pela revisão e suspensão de demarcações de terras indígenas”, em 14 de junho de 2013
Manifestações de rua da “Mobilização nacional pela revisão e suspensão de demarcações de terras indígenas”, em 14 de junho de 2013


Fonte: Rauber (2021, p. 192).

Quadro C
Parlamentares federais presentes em mobilizações rua contra regularização de TIs ao longo de 2013
Parlamentares federais presentes em mobilizações rua contra regularização de TIs ao longo de 2013
Fonte: elaborado pelo autor.

Quadro D
Parlamentares federais presentes na ‘Mobilização nacional pela revisão e suspensão de demarcações de terras indígenas’, em 14 de junho de 2013
Parlamentares federais presentes na ‘Mobilização nacional pela revisão e suspensão de demarcações de terras indígenas’, em 14 de junho de 2013
Fonte: elaborado pelo autor.

Sigla dos partidos

PMDB – Partido Movimento Democrático Brasileiro

PP – Partido Progressista

PDT – Partido Democrático Trabalhista

PSD – Partido Social Democrático

DEM – Democratas

PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira

Agradecimentos

Agradeço à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) pelo apoio financeiro e aos importantes comentários realizados pelos(as) pareceristas deste trabalho.

Referências

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Airoso da Motta, D. & Oliveira, N. A. (2015). A desintrusão da terra indígena Marãiwatsédé e as representações sociais produzidas pela mídia entre agosto de 2012 e janeiro de 2013. Espaço Ameríndio, 9(3), 190-225. Recuperado de https://doi.org/10.22456/1982-6524.57900

AMUNOR AVENOR (16 de julho de 2013). Manifesto da Amunor e Avenor. Prefeitura Municipal de Sananduva. Recuperado de https://www.sananduva.rs.gov.br/noticias_ver.php?id_noticia=2039

Assirati, M. A. & Moreira, L. G. G. (2019). O estado anti-indígena: da colônia ao novo golpe. Tensões Mundiais, 15(29), 97-118. Recuperado de https://doi.org/10.33956/tensoesmundiais.v15i29.2079

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Notas

1 O processo administrativo de reconhecimento e regularização fundiária das “terras tradicionalmente ocupadas pelos índios” (artigo 231 da Constituição de 1988) é definido pelo Decreto no 1.775/1996 e pela Portaria n° 14 do Ministério da Justiça, de janeiro de 1996. Após apresentação de uma demanda por terra de comunidades indígenas, a Funai inicia o processo de identificação e delimitação da TI com a criação de um grupo técnico especializado, coordenado por antropólogo, com a finalidade de realizar estudos de natureza etno-histórica, sociológica, jurídica, cartográfica, ambiental e o levantamento fundiário necessários para o estabelecimento de uma área. Esse grupo técnico, então, apresenta um relatório circunstanciado à Funai e, se aprovado, ele é tornado público, acompanhado de um memorial descritivo e um mapa da área. Encerrado o prazo de 90 dias para possíveis contestações desse relatório, o processo é encaminhado para análise pelo Ministério da Justiça e, se aprovado, é publicada a portaria declaratória da TI e determinada sua demarcação física. A última etapa para que uma TI seja regularizada é a publicação do decreto de homologação pela Presidência da República.
2 A literatura de contramovimentos tem longa trajetória nos Estados Unidos da América (Silva & Pereira, 2020) e o conceito se refere a movimentos que surgem em resposta e em oposição a movimentos sociais que desafiam ou ameaçam seus interesses, valores, modos de vida, posição social, entre outras questões (Meyer & Staggenborg, 1996; Silva & Pereira, 2020). Vale salientar que, apesar de recorrer ao conceito de eventos críticos, não é possível caracterizar as ações identificadas neste trabalho como promovidas por um “contramovimento”, pois os estudos a respeito desses atores ainda são insuficientes e há diversas limitações quanto ao tipo de dado aqui investigado, que fornece poucos elementos quanto aos processos organizativos dessas ações coletivas. Também pode ser colocado em questão a própria adequação do conceito de contramovimentos em relação a esses conflitos identificados.
3 O registro da audiência pública realizada em Vicente Dutra (RS), no dia 29 de novembro de 2013, foi realizado por uma empresa de produção audiovisual e disponibilizado em um canal no YouTube (possivelmente de maneira não autorizada). Essa mesma gravação foi analisada para elaboração deste trabalho e pode ser recuperada em https://www.youtube.com/channel/UC-xcmvaKbLmogax2ods_QUw/videos.

Recepción: 30 Mayo 2022

Aprobación: 30 Noviembre 2022

Publicación: 31 Marzo 2023

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